quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Guia de Sobrevivência

São Paulo, 7:45 P.M.
Hoje foi meu último dia como contratado da revista Cultura Paulistana. Foram quase três anos. Três anos que passaram como o vento. Foi um período muito bom, tanto pessoal como profissionalmente. Recuperei a minha auto-estima após uma separação conjugal conturbada, e adquiri desenvoltura e conhecimento para escrever sobre vários assuntos, sem preconceitos. Mas vinha sentindo que minha vida se tornara meio “morna” ultimamente.
Fabrício Quintana, meu amigo e editor chefe da revista, recusou veementemente minha demissão, mas eu insisti. Senti que chegou a hora de sair da comodidade de um emprego fixo, aceitar novos desafios e voltar a escrever sobre o que mais gosto: música.
A revista ocupa todo o décimo sétimo andar de um prédio com vista para a Marginal Pinheiros, próximo a Berrini. A grande sala da redação está praticamente vazia. Acho que somente uns “dois gatos pingados”, escondidos pelas divisórias, ainda permanecem trabalhando. Hoje é sexta feira, o “happy hour” é sagrado e, como estamos em dezembro, já festejam o final do ano. Aproveito o momento tranquilo para evitar uma despedida longa e chorosa.
Esvazio a minha “baia”, mas como não trouxe uma caixa de madeira ou papelão, como nos filmes americanos, pedi à Dona Antonia, da limpeza, dois enormes sacos de lixo preto. Seleciono o que presta e guardo nos sacos, o lixo mesmo fica de fora.
Em uma gaveta da escrivaninha, entre anotações quase incompreensíveis e agora inúteis, encontro uma folha de papel envelhecida com frases manuscritas. Sento na cadeira e dou um longo suspiro saudoso. Esse papel me acompanha desde o início da carreira profissional. Eu, na época, um sonhador candidato a escritor famoso, compilei essas frases como uma inspiração, como um guia, o meu “Guia de Sobrevivência”:
- Não há no mundo coisa mais difícil do que a sinceridade e mais fácil do que a lisonja. (Fiódor Dostoievsky)
- Aceita o conselho dos outros, mas nunca desista de sua própria opinião. (William Shakespeare)
- Escrever é traduzir em palavras o que já está escrito dentro de nós. (Kan Kato)
- O rascunho escrevemos com o coração. Depois reescrevemos com o cérebro. (William Forrester)
- Noventa por cento do que escrevo eu invento. Só dez por cento é mentira. (Manoel de Barros)
- Mentir com graça, de uma maneira pessoal, é quase melhor do que dizer a verdade à maneira de toda gente. (Dostoievsky)
- Os homens de poucas palavras são os melhores. (Shakespeare)
- Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele. (Dostoievsky)
- Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor aos homens. (Fernando Pessoa)
- Deus está nos detalhes. (Lema de Walter Clark)
E uma observação ao pé da página: Leia sempre “O menino que carregava água na peneira”. Um poema de Manoel de Barros que Larissa, meu grande amor dos tempos de faculdade, enquadrou e me deu de presente de formatura com a dedicatória: “Pro meu menino que carrega água na peneira”.
Fico feliz, que mesmo não tendo sido um Nobel de literatura, essas frases continuam reverberando e sendo verdadeiras dentro de mim.
Enxugo as lágrimas e vou para casa, eu e meus preciosos sacos de lixo.