No primeiro encontro só os dois, há mais de 20 anos atrás, “duros”, como eles eram e encantada, como ela estava, a pizza lhe pareceu uma ótima pedida.
Logo que chegaram à Pizzaria, ele pediu um vinho tinto seco, nacional e barato, claro, e apesar de seu gestual exagerado e sua fala em um tom que parecia querer que todo o restaurante ouvisse, ela achou muito chique ele gostar de vinho e o máximo o seu jeito “autêntico” de ser.
Antes de fazerem o pedido, ele, jornalista, persuasivo com as palavras, fez uma explanação eloquente de qual o seu sabor predileto de pizza e o porquê. Quase um monólogo, com pouquíssima participação dela.
- Eu gosto é de pizza à Portuguesa, não peço outra!!! Ela tem a cobertura cheia de ingredientes... lembra uma senhora portuguesa, gorda, daquelas que adoram cozinhar coisas deliciosas. É uma pizza que vale o dinheiro que você paga, dá pra matar a fome!!! Não é que nem pizza de Muzzarela, que não tem personalidade, parece sempre que falta alguma coisa, que é só a base pra um outro sabor... Não é mesmo???
Ela concordou meio sem jeito (na verdade, ela adorava pizza de Muzzarella) e nem ousou dizer que a Margheritta era o seu sabor predileto, com medo de decepcioná-lo.
Ele terminou a sua justificativa perguntando em seguida:
- Vamos pedir??? Que sabor você quer???
- Pode ser à Portuguesa... Respondeu ela querendo agradar.
- Ótima pedida!!! Garçon, a de sempre!!!
Na verdade, ela não gostava nem de presunto, normalmente apresuntado, e muito menos do indigesto farelo de ovo de gema dura que cobria a pizza à Portuguesa, mas inocentemente pensou: “Que mal haveria em fazer aquela concessão???” Sem imaginar que nos 20 anos seguintes, a pizza à Portuguesa passaria a ser um símbolo da dominação e do poder dele sobre ela.
Ela aceitava, no início por se sentir culpada, não querendo desmentir o primeiro encontro, e depois por resignação, achando que esse tipo de atitude, herança incrustada de sua forte formação católica, negando a si própria, ajudava a manter a relação familiar estável.
Negou tanto e por tanto tempo, que chegou a acreditar que aquilo seria o máximo da felicidade que lhe seria concedida nessa vida.
Mas, 23 anos, 21 de casamento, 2 filhos e muitas pizzas à Portuguesa depois, o inesperado acabou acontecendo. Na mesma pizzaria do primeiro encontro, que aliás nunca deixaram de frequentar, só os dois, na comemoração do aniversário de casamento, ele foi ao banheiro enquanto esperavam a pizza, e, por um descuido, esqueceu seu celular sobre a mesa.
Ela ouviu o som que avisava a chegada de um “zap” no celular do marido e não resistiu à curiosidade. Nunca tinha feito isso antes, mas aproveitando a demora dele, resolveu “xeretar” suas mensagens. Mas para desbloquear o celular tinha que primeiro descobrir a senha. Qual seria??? Tentou 18 08, o aniversário dele, e por incrível que pareça acertou. Pensando bem, era uma escolha lógica para alguém tão egocêntrico. Ela leu a mensagem que chegou, empalideceu, depois as mensagens anteriores, seu coração disparou, e as respostas dele, não conseguia respirar direito, pensou em fugir... mas acabou ficando.
Ele voltou do banheiro e olhando as mensagens no celular comentou:
- Pô, o Luciano mandou uma mensagem querendo que eu passe no jornal ainda hoje a noite... logo hoje??? Bom, se ele precisar muito eu dou só uma passadinha rápida!!! É trabalho, né???
Ela permaneceu calada com seus olhos fixos nele.
Ele continuou:- Então, vamos fazer um brinde??? À Nossa!!!
Mas em vez do encontro das taças, ele acabou recebendo um inesperado banho de vinho tinto!!!
- O que é isso??? Você enlouqueceu??? Perguntou ele.
- Seu cínico, canalha!!! Então é o Luciano que quer te dar hoje??? E no trabalho???
- Você... você mexeu no meu celular??? Isso é falta de respeito!!! Bradou ele, tentando mudar o foco.
- Mexi sim!!! Ainda bem que mexi!!! Quem é você pra falar de respeito??? Faz quanto tempo você me trai com essa mulher??? Pelas mensagens da pra ver que não é coisa nova!!! A quanto tempo você me engana???
Percebendo que a máscara caíra ele foi acometido por um incontrolável acesso de tosse.
Sentindo se livre para dizer o que queria como a muito não se sentia, ela emendou: - Eu quero que vocês vão se foder, você e essa sua querida putinha!!!
Nesse momento o garçom vinha chegando com a pizza.
- E tem mais, enfia essa pizza no rabo, porque eu odeio pizza à Portuguesa!!!
E levantando, pegou a bolsa e se retirou do recinto, deixando ali o marido, sério candidato a ex, atônito e sem saber onde “enfiar a cara”.