quinta-feira, 14 de abril de 2022

Pas de Deux

 “Mas eu sou casado e estou aqui de passagem, não quero te iludir...” Digitou ele no zap.
Ela fingia que não entendia, prometia o que podia e não podia e que faria até o que não poderia prometer: “Não importa, eu vou te dar tudo que vc quiser, o melhor sexo de sua vida, quero ser tua!!!”
Sexo, era um apelo bastante forte para um homem de meia idade, longe da forma ideal,
casado há mais de uma década com sua segunda esposa, em um relacionamento estável, previsível e fiel, mesmo com uma companheira extremamente ciumenta. Ser desejado dessa maneira por uma mulher bonita, jovem, com quase metade de sua idade era uma massagem e tanto para o Ego. Claro, ele chegou a se questionar algumas vezes, o porquê de ser ele o escolhido em meio a tantos outros daquela grande equipe de trabalho, mais de 60 pessoas vindo de diferentes lugares do país, mas preferiu acreditar que era por seu espírito de liderança, que lhe conferia visibilidade e seu “carismático charme pessoal”, que, agora, acreditava não ter perdido ao longo dos anos.
Na verdade, ele tinha conversado pouco com ela, que se mostrava competente em seu trabalho, mas não era uma pessoa muito extrovertida, até se mostrava meio tímida, o que tornava ainda mais surpreendente a sua investida explícita. Aliás, ela só era ousada em suas palavras via zap, no resto do tempo era extremamente discreta.
Tratando-se de uma grande campanha política para o Governo, a jornada era bastante cansativa, cerca de 12 a 15 horas por dia, durante três meses, e aquele dia, em especial, não tinha sido nada bom para ele, com direito a uma longa discussão telefônica com a mulher, que achava que se ele não tinha ligado era porque estava “aprontando”. E pra piorar uma terrível dor de dente com febre!!!
Seguindo a recomendação do dentista, ele tomou o analgésico, o antibiótico e foi mais cedo para o hotel descansar.
Quando ele estava quase pegando no sono, tocou o celular, era ela, preocupada, querendo saber se ele estava bem e dizendo que gostaria de poder estar lá para cuidar dele. E ele respondeu: “Você quer? E por que não vem?” Seu coração disparou, sentia culpa, era a primeira vez que se aventurava fora do casamento, mas também não se perdoaria se deixasse essa chance escapar. Pela primeira vez ele priorizava a sua vontade, o seu desejo.
 Ela chegou em uma roupa simples, quase sem maquiagem, que mostrava que ela não quis perder tempo se produzindo. Olhou para ele e fez um carinho na sua bochecha inchada, a do lado do dente inflamado. Ele segurou a sua mão e começou a beijar. Aproximou-se de seu rosto e beijou a sua boca. Continuaram a se beijar  com sofreguidão na cama e ele notou, enquanto a despia, que o sutiã e a calcinha preta de renda, que deixava à mostra quase toda a sua bunda, grande e firme, combinavam. Mostrava que ela teve cuidado com o detalhe, que julgara o mais importante, mas foi aquele descartado com maior rapidez.
Eles respiraram e dançaram juntos em uma sincronia surpreendente, da valsa ao rock and roll, do movimento suave, quase um tai-chi, ao golpe forte e direto, como do karatê. Transaram, se amaram, se possuíram, se engalfinharam, por horas, como se fosse a última coisa a ser feita nessa vida, tudo ou nada, sem limites, sem proibições, sem certos ou errados!!! A noção do tempo mudou, é como se o relógio tivesse parado ou andasse muito lentamente, como se estivessem imersos em uma redoma isolada do mundo. Ele era como um vampiro, que sugando a energia de cada orgasmo dela, se sentia mais poderoso, mais vivo. Ela, feiticeira, juntou os ingredientes, fez a mágica se traduzir na noite mais prazerosa de suas vidas. E o dentista tinha recomendado repouso!!!
Depois de muito gozar, ela separou seus corpos suados, se posicionou de maneira submissa, de quatro, e se ofereceu para uma penetração anal. Ele foi à loucura!! Não foi só o Grand Finale, foi o Extraordinário, não só a cereja do bolo, mas a cobertura toda!!!
 Ela se foi enquanto ele dormia.
Nos dias que se seguiram ele a procurou insistentemente para novos encontros, mas as tentativas nunca foram bem sucedidas. Sem nenhuma explicação razoável, mesmo admitindo que tinha sido maravilhoso, ela não queria mais.
Ele percebeu que a falta daquilo que o fizera sentir tão vivo, agora o enlouquecia, envenenava.
Era vital, como se faltasse oxigênio.
As lembranças povoavam a sua mente, noite e dia, o cheiro dela, seu sabor, roubavam até a sua concentração no trabalho. A convivência dos dois se tornou uma tortura, ela só falava o  profissionalmente necessário com ele. Até as roupas justas que ela usava, ressaltando as suas formas generosas, pareciam uma provocação pessoal. Sentia-se diminuído, impotente, rejeitado!!! Por quê??? Será que ele tinha sido só mais um troféu a ser conquistado para ela?
 Os arrastados meses de trabalho chegaram ao final, acabando com a convivência e sepultando qualquer esperança que ainda existisse. Na despedida só um formal beijo no rosto.
Ele sentia que tinha sido um completo otário!!!
 Ele voltou à sua realidade morna, incompleta, sentindo falta de algo, que talvez, nunca tivesse existido no seu casamento. Apesar do ressentimento, aquela noite tinha sido um marco, um grito de liberdade, que não poderia seria esquecido.
Algum tempo depois, não resistindo à curiosidade, resolveu xeretar o Instagram de sua ex colega de trabalho, e para a sua surpresa, achou uma foto dele durante aqueles meses de labuta, com a seguinte inscrição: “A pessoa mais incrível que já conheci! Meu amor impossível!”

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Calipígia (Flávia no Divã)

-Manda entrar!!! Dr Sig, pelo interfone, pede a Eva, sua secretária, que introduza o próximo paciente em sua sala.

Eva pergunta com uma certa hesitação na voz:
 
- Doutor, o Sr viu a anamnese, a entrevista prévia que eu fiz??? É um caso “diferente”…

Confiando em seus longos anos como psicanalista, Dr Sig responde sem muita paciência:

- Pode deixar entrar!

A porta se abre e para a sua surpresa a paciente entra andando de ré.
 Ela usava roupas estranhamente largas e essa era a sua primeira sessão.

- Seu nome é?

- Mile, Jamile

- Por favor, Jamile. Diz o terapeuta indicando o divã.

A paciente se deita de bruços.

Sem querer intimidá-la ele pergunta:

- Você está confortável assim?

- Sim e não. Mas é a posição devida.

- Devida por que?

- Por que? Eu sou somente a interlocutora, sua paciente é a… minha bunda!!!

- Sua bunda??? Perguntou o Doutor intrigado.

- Sim, minha bunda!!! Então ela não pode ficar por baixo na sessão, né?

- E por que sua bunda veio até mim?

- Porque ela estava muito triste e caída, quase em depressão. Ela é cheia de traumas!!!

Seria um caso onde a paciente incapaz de assumir suas questões, transferia tudo para
 uma parte de seu corpo??? Um caso incomum sem dúvida!!!

- Sim, e sua bunda tem um nome?

- Só apelidos, mas nenhum muito elogioso. Bullying, sabe???

- Entendo. Diga alguns.

- Ah, vários!!! Subnutrida, porque diziam que esqueceu de crescer; bundícula ridícula; gavetinha; mini-mini; prancha (de surf); trombou de ré no caminhão; where’s the bunda?, e assim vai…

Dr Sig fixou os olhos naquela bunda, sentiu sua tristeza e viu que havia maldade naqueles comentários, mas que também tinham procedência, mesmo ela estando disfarçada pelas roupas largas.

- E como ela gostaria de ser chamada?

- Pergunte para ela Doutor!
 
Dr Sig respirou fundo e perguntou para a bunda:

- E como vc quer ser chamada???

- Flávia! Responde Mile.

- E por que Flávia?

- Porque ela gosta desse nome. É de uma amiga de escola que a tratava bem.

- Então Flávia, me conte, por que você está aqui?

- Sabe Doutor… posso falar na primeira pessoa?

- Sim, claro!

- Então, minha vida era normal até o início de minha adolescência. Uma infância feliz como as das outras meninas. Mas, mais ou menos aos 12 anos, quando as meninas começaram a ganhar corpo e suas bundas cresceram, nada aconteceu comigo. Imagina a decepção.

- Sim, entendo. Continue…

- E a ficha caiu mesmo quando picharam no banheiro da escola: ”Jamile esqueceu a bunda em casa!!!” Foi um choque, muito triste!!!

- Entendo…

- Depois disso nós fomos ladeira abaixo..

- Nós?

- Sim, eu e Jamile.

- Entendo…

- Mile tentou disfarçar colocando enchimentos na calcinha, usando roupas largas, tentava fugir das aulas de educação física, não ia à praia, nem à piscina… Mas o bullying e as chacotas eram cada vez mais frequentes e violentos. Certa vez eu estava no chuveiro do vestiário, após uma aula de Educação Física que não pude faltar, e eu só tomava banho depois que todas saíam, mas as meninas voltaram, tiraram suas calças e dançaram um funk, tipo “twerk”, com aquelas bundas proeminentes viradas pra mim. Foi horrível!!! Aí, Mile começou a me culpar por toda a sua infelicidade e isolamento social.
- Sim, entendo.
- Nessa época, a única que ficou ao meu lado foi Flávia, que me apoiava. Minha única amiga!!! Compreensível também, pois ela era a segunda na categoria onde eu era a campeã disparada. Se eu era o 0 (zero), ela era 2, talvez 2 1/2. Mas Flávia tinha um trunfo, seus peitos eram mais precoces do que os das outras, lindos peitos, e Mile… "comissão de frente" nota 4!!!

- Você é muito severa com Jamile e com você mesma - Considerou Dr Sig.

- Passei uma boa fase sem querer me olhar no espelho!!!

- Sim, entendo.

- Depois, sem a obrigatoriedade de uniformes no ensino médio, Jamile passou a usar vestidos e saias largas. Sempre tentando desviar a atenção de mim. Passamos a nos relacionar somente quando necessário.

- Quem?

- Eu e Jamile. Calipígia...

- Como? Na verdade, Dr Sig não conhecia o significado da palavra.

- Calipígia*… era tudo o que Mile queria ser!!! Tentou academia, massagem, fórmulas mágicas, mas eu só cresço com cirurgia e aí o custo é inviável. E com esse trauma todo e o desprezo que ela me dispensa, não dá pra eu ser feliz, né???

- Entendo. E Flávia, sua amiga?

- Nunca mais vi… Sinto saudades!!! Hoje ela é jornalista.

- E sua relação com Jamile, como é hoje?
- Olhe, não somos amigas, convivemos porque é necessário. Com o Dudu, ela até ficou menos ressentida, até feliz. Pena que terminaram.

- Dudu?

- É. Foi namorado de Mile por 2 anos e 1/2. Ele era louco por ela e não me olhava com desprezo. Mas mesmo assim ela não gostava que ele me acariciasse não!!!

- E por que terminaram?

- Sei lá!!! Mile é complicada e ciumenta, vivia implicando com ele, achava que ele olhava pra todas as bundas que passavam!!!

- E olhava?

- Todo homem olha, né??? Mas ele era discreto e respeitoso. Ela que é paranóica!!!

- Eu paranóica??? Foi você que me deixou assim!!! Interrompeu Jamile.
Mile e Flávia iniciaram uma discussão e começaram a se exaltar!!! Estranhamente, dava para distinguir perfeitamente quem era uma e quem era a outra na discussão.

- Calma, calma!!! - Tentou apaziguar o Dr Sig.

Aquele era um caso raro, que ele nunca tinha presenciado antes. Não eram personalidades diferentes que se manifestavam em um único ser, um de cada vez, em um transtorno dissociativo de personalidade tipo "As Três Faces De Eva”, eram “seres” com vida própria, antagônicos, que eram obrigados a conviver simultaneamente, contra suas vontades, em um único corpo.
 Será que ele poderia cuidar de Jamile e considerar Flávia como um sintoma??? E se depois aparecerem o pé torto, o olho míope, o peito menor que o outro para se queixarem???

Três minutos depois, com os ânimos mais controlados, o Psicanalista suspira e prossegue:

- Pelo que entendi, a paciente não é só Flávia, Jamile. E não tenho como separar vocês duas para atendimento individual. Será como uma terapia de casal, só que o divórcio não é uma alternativa para vocês. Quero que vocês duas pensem bem em como querem se relacionar já que a convivência é necessária para a vida toda. Na próxima sessão a gente continua.

- Tá bom, Doutor! Obrigada e desculpe a briga… diz Mile meio sem jeito.

- Desculpe também, Doutor, mas Mile é descontrolada - rebate Flávia reiniciando a celeuma.

- Ops!!! - Intervém o terapeuta quando Jamile já tentava beliscar a própria bunda.

Jamile sai em silêncio de cara fechada acompanhada por Flávia.

Dr Sig se sentia exausto, diluiu um pó branco que guardava na gaveta em um copo de água, bebeu lentamente pensando sobre o caso que acabara de presenciar e anotou no seu bloquinho:
“Calipígia???”


 
 
Calipígia*: Referente àquela que tem formosas Nádegas.