quarta-feira, 3 de março de 2010

São Paulo, 8:37 AM

Lia compenetradamente um livro*, onde um pai desempregado narra sua tentativa de dar uma educação alternativa ao filho através de uma convivência cinéfila intensa. Filho que muitas vezes não se furta de ser sincero, sincero até demais, com seu pobre pai. Não pude segurar o riso no trecho onde ele fala o que achou dos Beatles, arrasando a memória afetiva de seu pai. Tenho duas filhas e sei muito bem como a sinceridade delas pode me desconsertar.
Estava de porta aberta, aliás, cagando de porta aberta, talvez para marcar território.
Com a crise, minha irmã que morava nos EUA voltou para trabalhar no Brasil...e veio morar comigo. Divorciado, antes eu só dividia o espaço com minhas filhas aos finais de semana.
Com certeza, o apartamento estava mais limpo e mais organizado, e poder dividir as despesas era um grande alívio. Mas, no fundo, eu gostava de minha bagunça e sentia essa divisão do ”reino” como uma invasão. Nada pior que ser democrático em sua própria casa, onde muitas vezes as coisas são como são porque você quer assim e não por lógica ou bom senso. Mais por valor afetivo do que valor funcional.
Cada vez que volto de uma viagem à trabalho, algo foi mudado... Parei de questionar para não tornar nossa convivência insuportável.
Minha irmã já tinha saído para trabalhar.
De repente, uma sombra interrompe minha leitura, um vulto na porta do banheiro olha para mim.
O susto vem seguido de uma inversão na corrente sanguínea, que causa vertigem.
Um homem de terno, com um gorro furado, que só deixa à mostra os olhos e a boca. Armado!!!
- Não faça nenhuma besteira e vai ficar tudo bem... Falou em um tom quase amigável.
Fez um sinal com a cabeça, me mandando sair do banheiro.
Constrangido fui me limpar. Ele me deu as costas, para me dar alguma privacidade.
Pensei em reagir, mas ele estava armado... E eu, visivelmente acima do peso, com a calça arriada... “E se ele me desse um tiro???” Imaginei uma equipe, estilo CSI (Crime Scene Investigation), examinando meu cadáver, caído, com a bunda de fora. De fora e suja...Desisti!!!
Ainda ouvi seu comentário, enquanto soltava a descarga: - Rapaz, o que você anda comendo???
Saí tropeçando nas pernas...
Cutucou minhas costelas com o cano da sua 765:
- Tranquilo, tranquilo, disse.
Pegou o livro de minha mão, olhou a capa, leu o título em voz alta e jogou na cama.
- Quero dinheiro, cartões, relógio, celular... Tem jóias em casa???
-Não, respondi.
-Tem certeza???
- Si-ssim...
- OK. Pegue a carteira, tire o dinheiro e os cartões, não quero os documentos, falava sem alterar o tom de voz... Esse cartão tem chip. Anote a senha.
Não achava uma caneta... Ele me entregou a dele.
A senha embaralhou na minha mente e minha mão esqueceu o alfabeto.
De repente, Pow!!!Pow!!! Os tiros ecoaram em outro andar.
- Fodeu!!! Pensei... Se não tivesse cagado antes, me cagava ali mesmo...
- Merda!!! Gritou, pegando seu celular que vibrava. Notei que o erre de merda era meio acariocado:
- O que aconteceu???...Quem???...Uma velha “apagou” o Morais???(Moraishh)
Ouvi a gritaria em outros andares.
- Não!!! Sujou!!! Vamo embora que a polícia vai chegar!!! E desligou, enquanto alguém ainda gritava do outro lado...
Respirou forte e me disse:
- Entre no banheiro!!! Se tranque, e só saia depois de 10 minutos!!! E não bobeie que meus amigos estão loucos pra descontar em alguém.
-Tá ...tá bom... Ainda zonzo, entrei no banheiro onde tudo começou, e me tranquei...
Fiquei pelo menos meia hora.

Mais tarde, dei depoimento pra polícia, omitindo alguns detalhes escatológicos, liguei pras filhas, chorei um pouco e contei tudo pra minha irmã. Nada como um compreensivo abraço familiar, nessas horas.
Era uma quadrilha especializada em assalto a condomínios, algo que se tornara tão comum, que até delegacia especial já tinha.
Foi a síndica, a senhora do décimo quinto andar - eu moro no décimo -, D. Alzira, que “apagou o Moraish”. Uma senhora de voz rouca, viúva, que nunca sorri, e mal responde quando a cumprimentamos no elevador. Baixinha de óculos, sem pescoço, sempre com um cigarro na mão. Parece a última de uma espécie já extinta.
Ela também estava no banheiro... só que no banho. O constrangimento maior deve ter sido do ladrão. Teve que sair nua pelo apartamento, e aproveitou uma distração do assaltante.
Apareceu sendo entrevistada no Jornal da Noite, na televisão.
- A senhora não teve medo??? Perguntou a repórter.
- Mocinha, eu moro aqui há 33 anos e sou a síndica. No meu prédio, não!!! No meu prédio, não!!! Aqui, esses vagabundos não têm vez!!! E tem outra coisa, tenho 67 anos e a minha bunda eu só mostro pra quem eu quiser!!!

*livro: Clube do Filme de David Gilmour.

Amuleto da Sorte

Dia 21 de junho de 1970. Na maternidade São Paulo, da rua Frei Caneca, o som dos radinhos de pilha quebrava o silêncio. Silêncio, que a enfermeira, cuja foto ornava paredes de todos os andares, firmemente recomendava. Radinhos ruidosos, que ninguém ousava mandar desligar.
Na sala dos médicos, a saudosa voz de Geraldo José de Almeida ecoava numa TV preto e branco, conferindo ainda mais emoção àquele que era, sem dúvida, o evento mais marcante presenciado, até então, pelo povo brasileiro, em uma transmissão ao vivo, via satélite. Muito mais do que a ida do homem à Lua, em 20 de julho de 1969, pois quem pisou na Lua foi um homem, Neil Armstrong, mas um homem americano. E naquele momento o jogo transmitido de Guadalajara, no México, era Brasil... Brasil e Itália... Final da Copa do Mundo!!!
Gol!!! O Brasil saiu na frente com uma cabeçada de Pelé, após cruzamento de Rivelino, o “Garoto do Parque”, aos 18 minutos do primeiro tempo. Mas após uma bobeira geral de nossa defesa, sofreu o empate, gol de Bonisegna, quando o cronômetro marcava 37 minutos, ainda do mesmo período.
Fim do primeiro tempo. A tensão era geral e crescente!!!
O único obstetra, provavelmente, que não se espremia, na sala dos médicos, acompanhando o jogo, Dr. Alberto Fargas, era o que realizava o parto em sua paciente, Elizabeth Acosta Bennedetti, neta de uruguaios, minha mãe.
E começa o segundo tempo. Teste para cardíacos!!!
E o tempo passa!!! Quase 20 minutos passados, rápido demais para uns, intermináveis para outros.
De repente: - Gooooooooooooooooooooooooooooooooolll!!! Lindo, lindo, lindo!!!
O Brasil finalmente desempatou com Gérson, “O Canhotinha de Ouro”. Em um chute indefensável no canto esquerdo baixo do goleiro Albertosi.
Junto com o grito de gol de toda nação brasileira, ecoou um outro grito pelo sétimo andar da maternidade: - É um menino!!! Um menino!!! O homem que corria com a bandeira brasileira na mão e gritava, como se ele próprio fosse o autor do gol da virada, era Rafael Mascarenhas Bennedetti, meu pai, que desrespeitando sua tradição familiar paterna, era o mais brasileiro dos italianos.
“Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração...”
O gol “errado” de Jairzinho, “O Furacão”, deu mais tranquilidade ao time e aos 90 milhões de brasileiros que acompanhavam a partida. Isso, aos 25 minutos da etapa final. E aos 42 minutos, em uma pintura coletiva, iniciada por um solo de Clodoaldo driblando quatro italianos no meio de campo (o terceiro deles deve ter problemas na coluna até hoje), com direito a arrancada de Jairzinho, pela esquerda, e um passe mágico de Pelé, Carlos Alberto, “O Capitão”, estufa as redes italianas, conferindo números finais ao espetáculo. Brasil 4X1 Itália!!!
No dia seguinte, a foto do rei Pelé, o “Craque Café”, seminu, sendo carregado nos ombros pela torcida mexicana, estampou manchetes de jornais de todo o mundo.
Brasil Tri-Campeão mundial!!!
Meu pai sempre me contou essa história, como se eu e meu nascimento tivéssemos sido decisivos na vitória da “Seleção Canarinho”. Tenho uma foto da época, bebê recém-nascido, no colo de meu pai, enrolado com a bandeira brasileira. Eu tinha sido o grande amuleto da sorte do Brasil!!!

*Os apelidos dos jogadores acima citados, foram criados por Geraldo José de Almeida, e aparecem nessa crônica em homenagem a esse grande narrador esportivo.

terça-feira, 2 de março de 2010

Anjos (T.S. 18:37 PM)

Nico, 19 anos, que gostaria de ser Nikolas e não Nicolau, mas herdara o nome luso do avô, esperava impacientemente pelo seu ônibus, que sempre demorava muito, mas hoje, especialmente, demorava ainda mais para passar naquele ponto lotado da rua Teodoro Sampaio.
A Teodoro de calçadas estreitas, muito trânsito e muita gente, inclusive os muitos “istas”, guitarristas , baixistas, bateristas, violonistas, tecladistas... Entre outros*.
No IPod de Nico, Hendrix toca "Crosstown Traffic".
Apesar das espinhas na testa, Nico não era feio, era sim, muito tímido e não fazia sucesso com as mulheres. Passava sempre despercebido, não era alto, com seu 1,73m, e não tinha coragem de tomar a iniciativa com o sexo oposto. Mas ele não suportava mais ser o alvo preferencial das gozações dos amigos, dizendo que as espinhas eram por masturbação excessiva ou das insinuações de que era gay.
Nico, 19 anos, que gostaria de ser Nikolas, na verdade, era virgem!!!
Mari, 37 anos, que era Margarida Ely por escolha materna e escondia de todos o nome composto, descia a Teodoro Sampaio segurando as lágrimas. Voltava da farmácia onde fora comprar remédios para a asma brônquica de sua filha de nove anos. A pequena teve uma crise na escola, o que se tornava cada vez mais freqüente nos dias frios e poluídos de São Paulo. Com o pouco dinheiro que tinha só conseguiu comprar um dos remédios receitados pelo médico, o xarope, que era o mais barato. O nebulizador indicado para as crises, então, era um sonho impossível.  

Nico conseguiu arrumar emprego como assistente em um estúdio de som na rua Alves Guimarães. O estúdio funcionava em uma casa antiga, na vila, entre a Teodoro e a Cardeal Arco Verde. Lá, passava o dia ouvindo os músicos tocando, bebendo e conversando sobre mulheres. E Nico só pensava nas mulheres. O uso de drogas era “quase” proibido no estúdio. Trabalhava durante o dia e a noite fazia cursinho. Cursinho não sabia direito pra que, mas sua mãe, pobre viúva e trabalhadora, sonhava em um dia ver seu filho doutor.

Mari, que nunca quis ser Margarida Ely, era professora de educação física em um colégio público na Zona Leste. Com os dois mil e oitocentos reais que ganhava, fazia malabarismos para sustentar a família toda. Ela, a filha e o marido deprimido e desempregado há quase três anos.

Mari era casada há dezessete anos com Herculano, que investiu todas as economias do casal numa Academia de Fitness de três andares no bairro de Santana, e perdeu tudo, inclusive sua auto-estima. Herculano, com quem começou a namorar nos tempos de faculdade, foi o seu primeiro e único homem. Herculano, que há dois anos e sete meses está jogado no sofá vendo futebol, novela e o que mais passar, com a cerveja em uma mão e o controle remoto na outra. O professor Herculano que tinha 1,92m e 90kg de músculos, hoje tem 127kg de flacidez e desesperança. O sedutor professor Herculano, que hoje, não pega mais ninguém, muito menos sua esposa.

Nico prometeu a si mesmo que com o seu primeiro salário, de mil e cem reais, que acabara de receber, separaria 2/3 para ajudar sua mãe e pagar o cursinho, e usaria o 1/3 restante com uma profissional do sexo. Assim resolveria de vez o seu problema. 

Mari, não sabia o que era sexo há mais de dois anos. Mas, apesar das rugas começando a aparecer, - mais por falta de cuidados -, do alto de seus 1,81m,  continuava  sendo uma mulher atraente e bonita. Tinha sido Rainha dos jogos Abertos do Interior, nos seus tempos de jogadora de vôlei. A atividade constante mantinha seus músculos rijos e tudo no lugar certo. O agasalho esportivo que usava, evidenciava isso. Mesmo com algumas crises gástricas, a necessidade de sobrevivência e os cuidados com a filha  não lhe davam tempo de lamentar a vida, muito menos de pensar em si mesma. 

Hoje, Nico não vai ao cursinho. Hoje, ele recebeu seu primeiro salário!!! Sua cabeça vai a mil!!! Ele pensa e repensa milhares de vezes em como vai abordar e contratar uma profissional, se pessoalmente ou pelo celular.
Ansioso e cansado de esperar pelo ônibus, aumenta o volume do rock no seu IPod e senta no degrau da porta do 306, um antigo prédio de quatro andares, sem elevador, ao lado do ponto de ônibus lotado. Mick Jagger canta "I can get no... Satisfaction" em seus ouvidos.
Mari chega em seu prédio, e o maldito ponto de ônibus bem em frente de sua casa, faz com que tenha que se contorcer no meio das pessoas ali estacionadas e mal humoradas para poder entrar. 
Depois de meia dúzia de “com licenças” e alguns empurrõezinhos, finalmente consegue chegar perto da porta. Mas, quando se distrai para pegar a chave, um vulto se levanta de repente e esbarra nela. O remédio da filha cai e se espatifa no chão!!! 

Mari  olha para o xarope da filha escorrendo pela calçada e grita:

- Seu filho da puta!!!!

O filho da puta nesse caso, apesar de sua mãe não exercer essa profissão, era Nico, que distraído pelo som alto, só percebera a chegada de Mari no susto, em cima da hora.

Desesperada, ela tenta salvar um pouco do remédio... Mas em vão.

Dessa vez é Mari que senta no degrau da porta e chora.

Nico tira o fone de ouvido, mas  permanece imóvel, sem saber o que falar.

Mari aperta a receita do médico entre as mãos e chora ainda mais:

- O remédio de minha filha, e agora, meu Deus???
As pessoas do ponto observam e tecem comentários maldosos sobre Nico e o acontecido.
- Me..., me...me desculpa...diz ele nervoso.
- Desculpa??? Meu dinheiro acabou...e não tem mais remédio pra minha filha!!!

De repente Nico toma a receita da mão de Mari e sai correndo.

- Onde você vai moleque??? Dá minha receita de volta!!!

- Eu já volto!!! Diz ele abrindo espaço entre as pessoas.

“É maluco, pensou Mari, é só o que me faltava agora...um maluco roubou minha receita!!!”

Dez minutos depois, quando ela recomposta e conformada abre a porta para entrar em casa, ouve uma voz:
- Espera!!! Era Nico chegando, esbaforido.- Comprei o remédio da sua filha!!!
- Como assim??? Pergunta Mari, sem acreditar.

- Pega aqui, diz Nico, oferecendo duas sacolas, uma maior e outra menor.
Mari pega as sacolas e vê que ele tinha comprado os três remédios!!! E na sacola maior estava nada menos do que o sonhado nebulizador!!!

- O...obrigada, mas não posso aceitar…diz  tentando devolver as sacolas. Ela tinha feito um levantamento de preços antes e sabia que aquela compra não sairia por menos de trezentos e vinte reais.
- Aceita sim, diz ele, você sabe que sua filha tá precisando…

- Mas é muito caro!!! 

- Nem pensar… Nico falava com uma segurança incomum para ele.
- Ah, e a receita tá junto do nebulizador.
- Olha, eu agradeço. Reconheço que você não é nada do que eu pensei… Desculpe ter te xingado, mas vai devolver isso.

- Não mesmo… 

– Eu fico só com o xarope então… Mari tenta em vão convencer o rapaz.

-…E me desculpe pelo acidente. Diz Nico, se virando para ir embora.

- Espera!!! Grita Mari, que no ímpeto abraça fortemente o rapaz e desaba a chorar novamente.
Nico fica completamente sem ação.

- Obrigada!!! Obrigada!!! Você não imagina... Ninguém faz nada por mim, nem por minha filha. Eu precisava tanto desses remédios. Você é um anjo que Deus mandou!!! Diz Mari chorando.

De repente ela segura o rosto dele com as duas mãos e o beija. Beija na boca!!! Um beijo forte, úmido, chorado. Nico fica nervoso, podia contar nos dedos de uma mão o número de vezes que beijara uma garota. Nunca fora beijado com essa intensidade.
E agora por aquele "mulherão"!!!
Mesmo não sabendo direito o que fazer, ele acaba correspondendo. De repente sente seu membro intumescido com a proximidade do corpo de Mari, e fica envergonhado.
- Me desculpe.... Diz, tentando descolar seu corpo do dela.

Ela olha nos olhos dele e o beija de novo grudando ainda mais seu corpo no dele.

A “platéia” do ponto de ônibus começa a se manifestar contrariamente à forte demonstração de “carinho”.

Uma senhora ao lado comenta:

- É muita falta de vergonha, ela podia ser a mãe dele!!! O fato de ela ser mais alta que ele acentuava a diferença de idade dos dois.

- E ainda por cima ela é casada!!! Comenta outra.

Mari interrompe os beijos, puxa Nico e as sacolas para dentro do prédio e bate a porta.

Ainda ouvem comentários maldosos e vaias que vem de fora.

- Gente enxerida!!! Cuidem de suas vidas!!! Diz Mari, irritada.

- Mas você é casada mesmo??? Pergunta Nico intimidado.

- Sou...aliás, era até agora!!! Pronto não sou mais!!!  Diz Mari, tirando a aliança e voltando a beijar o rapaz.

São interrompidos novamente por um bater de porta e passos descendo as escadas.

Mari puxa novamente Nico pela mão e o leva para uma pequena porta embaixo da escada.
 Eles entram curvados, principalmente ela, fecham a porta e acendem a luz. É um cubículo de mais ou menos 2m por 1m. Com o teto em declive acompanhando a descida da escada, com a parte mais alta tendo não mais de 1,85m. Cheia de baldes vassouras, produtos de limpeza e algumas baratas.

- Nós vamos ficar aqui??? Pergunta Nico incomodado.

- Sshhhh!!! Mari pede silêncio.

Os passos descem toda a escada e ouvem a porta da rua bater.

Quando ele pensa em sair, Mari o agarra novamente e entre beijos "calientes" começa a abrir o botão de sua calça. Mas para a sua surpresa encontra o “mastro” descendente.

Ela para respira forte e pergunta:
- Ok, passou a vontade... Eu lembro a sua vó??? Sou muito velha e caída pra você???
- Não, não é nada disso!!! Não mesmo!!! Você é um sonho, é linda demais!!!

- Tudo bem não precisa justificar, não... Eu forcei a barra.
- Não, eu juro, o problema não é você!!! Eu é que estou nervoso demais!!!
- Por que eu sou casada???

- Também... mas, principalmente, porque...

- Porque..., repete ela.

-...porque eu ...eu sou virgem!!! Nico se encolhe como se tivesse sido desmascarado e admitisse sua derrota.
Ela sorri e volta a beijá-lo de uma forma mais terna, sem tanta sofreguidão.

- Você é lindo!!! Cochicha em seu ouvido. Ela o abraça e enche de carinhos até acalmá-lo.
Quando sente que a “firmeza” dele voltou pergunta:

- Você tem camisinha???

- Uma coleção!!! Responde Nico, animado.

O que aconteceu nos próximos doze minutos é proibido para os não virgens.

Os dois saem sorrateiramente do depósito de material de limpeza, tentando se recompor, e caminham para a porta da rua. Antes de chegarem, a porta se abre e entra um senhor calvo, de óculos e pouco sorriso.

- Boa noite, Seu Adhemar, cumprimenta Mari.

- Boa noite, D. Mari.

Seu Adhemar era o síndico do prédio há mais de vinte anos. E olhando para o desconhecido Nico, como se suspeitasse de algo, pergunta:
- E esse é???

Antes que Nico com o cabelo todo desarrumado e a camisa com os botões trocados pudesse se pronunciar, Mari responde: 

- Esse é meu sobrinho!!! Meu sobrinho predileto!!!

- Ah, muito prazer. Arrume o botão da camisa rapaz, diz Seu Adhemar, se retirando com um aceno de mão.

Os dois esperam ele se afastar e subir as escadas para caírem na risada.

Nico arruma os botões da camisa e diz:

- O nome de seu sobrinho é Ni...Ele  é interrompido pela mão de Mari que tampa sua boca carinhosamente.
- Esqueça...não diga mais nada. Tá bom assim. Foi ma-ra-vi-lho-so desse jeito!!!

Nico espera ela retirar a mão e fala emocionado:
- Eu nunca vou esquecer!!!
- Nem eu!!! Diz Mari, com os olhos úmidos.

Após um longo abraço de despedida e um último beijo, ele sai. Ela fecha a porta lentamente sem tirar os olhos dele.

Mari resolve não colocar a aliança de volta, se enche de coragem e sobe com as sacolas. Estava decidida, que ou Herculano ou ela e a filha se mudariam daquele apartamento.

Nico, não sentia a noite fria, o ônibus logo chegou. Foi para casa com um sorriso indisfarçável, se sentindo o mais feliz dos homens. Aliás, se sentindo Homem!!!
No IPod de Nico, Paul McCartney canta “Maybe I’m Amazed”.

Naquela noite, Deus tinha colocado um anjo no caminho de cada um deles.

Entre outros*: A Teodoro Sampaio é, certamente, a rua brasileira com a maior concentração de lojas de instrumentos musicais.

Michelle e Clara

Layla, de Clapton; Julia, dos Beatles; Marina, de Caymmi, pelo menos um peso pesado Brazuca; e Michelle, também dos Fabfour.
Foram as opções que dei para o nome de nossa primeira filha.
Depois de quase dois anos casados, concordamos que era uma boa hora para termos um filho.
Pela última ultrassonografia, não restava mais dúvida do sexo da criança. Cabia agora à Lígia, a mãe, a grande escolha. Que, acreditem, se arrastou por dois meses.
Marina ela eliminou logo de cara. Era o nome de meu grande amor de adolescência. Expliquei que Lígia, de Tom, também estaria na lista, se não fosse o nome da mãe, mas acho que não convenci.
- Não me estresse, não me es-tres-se!!! Dizia, grávida de seis meses.
OK, tínhamos três opções ainda. Layla ela não gostou. Achou comum.
- Comum??? Perguntei. Já me via cantando Layla ao violão para a criança dormir.
- É, tive uma vizinha de apartamento que tinha uma poodle toy, barulhenta, chamada Layla. Não quero pensar na cachorrinha toda vez que chamar nossa filha.
Não tive como argumentar, e lá se foi minha opção predileta.
- Por que não Julia??? "Seashell eyes, windy smile, calls me..."
- Julia??? Dizia pensativa, no sétimo mês, torcendo o canto da boca.
- Julia é um nome lindo, sonoro!!! Um lindo nome pra uma criança linda!!! So I sing a song of love, Julia...Cantarolei.
Ela não disse que sim, nem que não.
No oitavo mês, acordou um dia, decidida:
- Será Michelle!!!
A opção que eu menos queria.
- Mas por que Michelle???
- Porque eu gosto!!! Respondeu.
- E Julia???
- O trato foi: suas opções e minha escolha. Respeite!!!
Era verdade, fui eu quem sugeri que fosse dessa forma. Quem mandou eu colocar Michelle na lista...

Tres Anos Depois

Michelle, ou Micha, como carinhosamente a chamava, aos tres anos, era uma criança adorável, esperta, doce e sociável. Frequentava a escolinha, e todos os dias tinha uma novidade pra contar.
Ela é do signo de Peixes e realmente nadava como um deles. Era a melhor da sua turma na escolhinha de natação.
Assistíamos desenhos animados juntos, sempre imitando os personagens. Por que as crianças assistem tantas vezes o mesmo filme???
Não via a hora de telefonar e ouvir sua voz, em minhas viagens, e ganhar seus desenhos, quando voltava para casa. Resistia colocar Micha na cama, quando adormecia em meu colo. Só o pensamento que algo de mal poderia ocorrer a ela, já me causava dor. Queria estar sempre perto para protegê-la.
Adorava azeitona. Pizza para ela só se tivesse azeitona.
Diversas vezes me flagrava cantarolando: “Michelle, my belle, sont des mots qui vont tres bien ensemble...”. Até em importantes eventos musicais do trabalho.
É, eu estava loucamente apaixonado por ela!!! Uma paixão que crescia diariamente nos últimos tres anos.
Quando temos um filho, achamos que ensinaremos muita coisa a ele, mas na verdade somos nós que aprendemos muito mais.
Lígia me censurava, disfarçando o ciúme:
- Você estraga, não educa!!
Nosso casamento não andava grande coisa. De morno para frio, diria. Talvez até mais frio do que eu quisesse admitir. A única coisa que aquecia aquela casa, era a presença cheia de vida de Micha.
Lígia andava meio quieta ultimamente, pensativa. Parecia meio fragilizada.
Recusava minhas tentativas de diálogo. Às vezes, se trancava no quarto e chorava.
Não se mostrava receptiva para o sexo. Em nada lembrava aquela “gata selvagem”, que parecia estar em um cio permanente, dos primeiros anos de nosso namoro e casamento.
Será que não soubemos evoluir e nos adequar ao passar dos anos???
Acordei no meio da noite com Lígia me cutucando. Eram 4:20 AM. Achei que estava roncando muito alto.
- O que foi??? Perguntei sonolento.
- Preciso te contar uma coisa...
“Deve ser sério”, pensei.
- Eu...eu estou grávida, disse pausadamente e sem alegria, já fiz o teste...
Não sabia o que dizer, nem como reagir.
- Pensei em tirar..., mas desisti. Contou suspirando.
- E se tirasse, não ia te contar.
- Por quê?
- Nós não estamos bem, você sabe...
- Quantos meses??? Perguntei já completamente sem sono.
- Quase dois... Pra mim também foi uma surpresa...
Surpresa??? Meu coração disparou. Eu não era nenhum santo, mas vinha me mantendo fiel, e a vontade de estar perto de Michelle, não me permitia ficar longe de casa além do tempo necessário. Nunca poderia imaginar uma infidelidade por parte de Lígia. Mas ultimamente quase não “transávamos”. Será que ela tinha arranjado um amante???
Notando minha inquietação completou:
- Foi naquele sexo “burocrático”, da nossa última vez. Sossegue!!!
Pelo menos o meu orgulho de “macho” sentiu um grande alívio.
- E a pílula???
- Eu parei, a gente já quase não transava...
Virou as costas para mim e desabou a chorar.
Abracei Lígia com força, tentando lhe passar calor e alguma segurança.
Não trocamos mais palavras, nem dormimos até o amanhecer.
Dias depois, fui me deitar às 2:37 AM., após finalizar um artigo em inglês, para a ‘”Rolling Stone” americana, sobre os movimentos musicais emergentes no Brasil.
Enquanto me ajeito no escuro, ouço a voz de Lígia:
- Se for menina vai se chamar Clara.
- Clara??? Por que Clara???
- Porque é como o céu azul, limpo, sem nuvens. Nada de trovoadas, nem tempestades. Cheio de claridade!!! Luz!!! Eu preciso de luz em minha vida!!!
- Bom, se você já decidiu. Mas, e Micha??? Perguntei.
- O que tem Michelle???
- Ela não ilumina a sua vida???
- Sim, mas ilumina muito mais a sua do que a minha!!!
Acho que concordava com ela nesse ponto. Esperei mais um pouco e perguntei:
- E se for menino??? Na verdade eu gostava da idéia de ter um casal.
- Se for menino, você dá o nome que quiser, tá bom assim??? Mas sinto que é uma menina... Boa noite.
- Boa noite!!! Segurei e beijei a sua mão.
Antes de adormecer, pensei em Eddie, Eduardo Góes Soares do Nascimento, rockeiro fanático. Guitarrista exímio, tivemos uma banda juntos na adolescência. Eddie tinha três filhos: Eric, Jeff e Jimmy. Em homenagem aos deuses da guitarra inglesa. E dizia que, se tivesse mais um, seria Ritchie, em homenagem a Ritchie Blackmore, do Deep Purple. Para mim o curioso, agora, era como Eddie convencera sua mulher a colocar esses nomes. Quais os argumentos que ele usara??? Pelo jeito, Eddie não era somente um guitarrista virtuose, conhecia outros truques também. Não via Eddie há alguns anos, desde que fechou sua loja de LP’s raros, Gently Weeps, no Itaim-Bibi.
Em sete de junho de 2006, sob o signo de gêmeos, conforme a profecia materna, nasceu Clara.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Vendetta (Quinze Dias Depois)

Voltando para casa, após mais de uma semana viajando a trabalho, Francisco, o porteiro, um cearense de idade indefinida, que fala pelos “cotovelos”, me recebe com um sorriso quase escancarado e me entrega a correspondência.
- Tudo bem, Chico?
- Comigo tudo... responde sentado atrás de uma grande mesa com tampo de vidro.
Queria que ele tivesse parado por aí, mas o pior chato é o que responde, achando que você quer mesmo saber se está tudo bem. Apressei meus passos na direção do elevador.
- Mas a D. Alzira... Falou alto para que eu ouvisse.
A vontade de subir para o meu apartamento era grande, mas a curiosidade de saber o que acontecera com a mulher “gliptodonte” foi maior.
- O que aconteceu com a D. Alzira? Perguntei, voltando.
- É, foi vingança, doutor. Tomou dois tiros!!! Francisco arregalava os olhos, sem conter o entusiasmo, de fofocar como novidade o caso que todos no prédio já conheciam. Todos menos eu.
Morreu, pensei.- Como assim, Chico??? Saiu o morreu traduzido.
Tentava disfarçar uma antipatia latente que nutria por D. Alzira, aquela figura, que, como síndica, “governava” o prédio como se fosse o seu feudo, e me tratava com um certo ar de desprezo e superioridade, apesar de seu tamanho PP (no sentido vertical, é claro), desde que ousei a discordar dela em minha primeira reunião de condomínio, a sete anos atrás.
- Aquela gangue que invadiu o prédio quis se vingar. Hoje é quinta. Na segunda, ela ia saindo pro Banco, como de costume, às 9:50h da manhã. Aí, um carro preto, que estava estacionado, abriu a janela e deu dois tiros nela!!! Pá!!! Pá!!! atirou Francisco, imitando o revolver com a mão. - Os caras fugiram. Mas o André, da banca de jornal, anotou a placa e avisou a polícia. Eu vi tudinho, tudinho!!! disse com entusiasmo crescente.
- Pegaram os bandidos??? Perguntei mostrando interesse.
- Pegaram sim doutor. Pararam o trânsito na Brigadeiro com a Paulista. Aí, a polícia achou eles e meteu bala. Um morreu, o outro ficou ferido. O que ficou ferido era meio-irmão daquele que D. Alzira matou!!!
- O Moraish!!!
- Mora quem???
- Deixa pra lá... disse eu, disfarçando pra não ter que me explicar.
Vendetta, pensei.
-Me disseram que ele entregou os outros “cumparsa” da gangue...
- Ah é???!!! Senti um calafrio, pensando no ladrão que invadiu meu apartamento e “desfrutou” de minha intimidade escatológica. Será que ele contaria pra polícia detalhes que eu havia omitido???
E já me preparando pra subir, perguntei:- E D. Alzira???
- Ah foi operada e passa bem. Sábado vai ter uma festinha pra volta dela.
- Que bom. Essa daí é indestrutível, né? Falei sem muito entusiasmo. Estava convencido que o único jeito de termos um novo síndico era com a extinção da atual. Claro que não queria que ela morresse de verdade.
- Ah, a D. Odete, do apartamento 51, foi visitar ela. A D. Alzira falou pra ela que fuma desde os dezesseis anos, que fumava escondida do pai. Se o cigarro não matou ela, disse que não vai ser dois “merdinha” desses que vai conseguir matar. Foi ela que disse, doutor. Discursava Francisco, já quase gargalhando. Voava cuspe pra todo lado.
Fiquei enojado e antes de ficar “ensopado” saí com um aceno de despedida.
- Merdinha é esse cigarro incompetente, resmunguei com ironia.

*Vendetta: vingança de sangue das famílias mafiosas.