Após seis dias de trabalho criativo e extenuante, Deus resolveu descansar. E olhando para sua grandiosa obra exclamou:
- Magnífico!!! Mas tudo que ouviu foi a Sua própria voz e o seu eco, e sentiu que estava só.
- Afinal, refletiu, de que vale criar o Universo sem ninguém para admirá-lo e me parabenizar pelo meu bom gosto???
Então pensando em uma solução, depois de alguns projetos não muito felizes, meio simiescos, que Ele escondeu por aí, tipo Pé Grande e Abominável Homem das Neves, Deus criou o primeiro homem e o fez à Sua imagem. Adãozinho, assim o chamou carinhosamente.
Feliz com Sua nova criatura e com sua companhia. Deus passou o sétimo dia e os próximos meses entre muitas cervejas, sinuca, dominó, baralho, churrasco e futebol. Deu alguns irmãos e primos ao homem, para poder completar os times das jogatinas.
Tudo ia muito bem, até que os resultados dos excessos começaram a aparecer e preocupar. Deus mesmo bateu três vezes o carro, mas Ele é imortal, o homem, não. Adãozinho quebrou o braço e muitos começaram a se machucar seriamente e desfalcar as atividades.
A longo prazo, isso poderia causar a extinção do homem.
Quando o jogo de futebol de quarta-feira à noite não aconteceu por falta de quorum mínimo, concordaram que precisavam tomar alguma providência.
No churrasco de domingo, colocaram uma urna para sugestões e depois votaram as preferidas do grupo. As mais votadas foram:
1) Inventar a cerveja sem álcool.
2) Fazer rodízio de motoristas. O motorista da vez não bebe.
3) Montar blitz com bafômetros para evitar motoristas bêbados no trânsito e multar os infratores.
A discussão para a escolha de uma delas levou mais quatro churrascos e não se chegou a uma conclusão. Então, resolveram experimentar, alternadamente, as três, pra ver qual era a mais eficiente.
A cerveja sem álcool, logo foi banida, pois tirava o melhor da cerveja. A sensação de perda do controle sem culpa.
O rodízio de carros prejudicava sempre os mesmos, pois nem todos tinham carro, e muito menos sabiam dirigir.
As blitz funcionaram em parte, mas o homem ia pra casa a pé, tinha a carta de motorista suspensa, dormia no xadrez por desacato, e ainda ficava sem dinheiro para o poker e para rachar os gastos da cerveja por causa das multas.
Logo, nenhuma das alternativas teve aprovação da maioria. Aí sobrou de novo pra Deus. Deixaram a cargo Dele criar uma solução.
Depois de muito pensar, Deus resolveu criar um ser com mais juízo e interesses diferentes dos homens, para ajudar a prevenir os excessos. Roubou uma costela de Adãozinho para usar como base, pois achou que assim daria humanidade à criatura e buscou nos elementos da natureza as harmoniosas características que definiriam sua mais nova criação.
Do ar buscou a capacidade de ser sempre presente e necessária.
Da água a pureza, o frescor.
Da terra, ser o chão, a âncora, o link com a realidade.
Do fogo, o calor, o aconchego, a proteção.
Seguindo as novas tendências de design, deu formas mais arredondadas e volumosas ao novo ser. Deus a batizou EVA, Experimento Virtuoso com Atitude.
Mas, nem tudo correu como planejado na alquimia divina.
Quando Deus finalizou sua criação e a apresentou aos homens o sucesso foi total, mas logo começaram as reclamações.
EVA se julgava presente e imprescindível como o ar, tão importante como a água, que jorrava fácilmente de seus olhos quando queria sensibilizar. Da terra ela adquiriu a paixão pelas suas riquezas: diamante, ouro, prata... E do fogo, a fácil inflamabilidade nas palavras e no gênio quando contrariada. E é claro, o fogo do desejo era a sua grande arma de sedução, por sexo muitos faltavam até ao futebol.
Atitude EVA tinha até demais. Proibiu jogatinas apostando dinheiro, “racha” de carros nem pensar, futebol só uma vez por semana, churrascos uma vez por mês. Se chegasse tarde, dormia no sofá; se chegasse bêbado, dormia na rua. Deu um celular de presente para sempre controlar o paradeiro de Adãozinho e seus “good fellas”. Quantas vezes um deles largava os amigos e ia embora, sem graça, assim que recebia um telefonema da sempre onipresente EVA. Os códigos secretos e armações masculinas eram facilmente desmascarados por ela. Era autoritária, com uma opressiva mania de ordem e limpeza:
- Levanta a tampa do
vaso pra fazer xixi!!! Põe o lixo lá fora!!! Tira a toalha molhada da
cama!!! Não deita suado no sofá!!! Não é muito cedo pra começar a beber??? Já levou o cachorro pra passear???
Enfim, EVA cumpria com louvor o propósito para que fora criada, tornava a vida dos homens menos perigosa...mas também bem menos divertida.
Após muitas reclamações masculinas, uma nova reunião. Mas o clube de Adãozinho não conseguia decidir se queria devolver EVA a Deus ou não. Os depoimentos eram confusos e contraditórios. Alguns só falavam mal, outros concordavam que ela precisava de "ajustes", no entanto não conseguiam aceitar a devolução como solução, achavam que viver sem ela seria muito pior. Nem o sexo era uma unanimidade, alguns preferiam a companhia dos amigos. Unanimidade, curiosamente, só a torta de maçã de EVA, todos elogiavam. No fim, a reunião se esvaziou e os homens voltaram calados e cabisbaixos pra sua EVA. Deus também se entristeceu com a ingratidão humana, e foi embora para o Céu.
E foi assim que, graças a EVA, o homem sobreviveu. Menos feliz por um lado, afastado de Deus, mas sobreviveu.
Adão, como EVA renomeou Adãozinho, diz que até hoje quando encontra Deus e olha em Seus olhos, sente que mesmo sabendo que criar EVA foi a Sua melhor solução, talvez, Deus sinta saudade do primeiro "Clube do Bolinha" da história.
PS: a torta de maçã de EVA continua fantástica e hoje é vendida até em quiosques nos shoppings.