Quando Luriana tinha três anos, seu pai saiu para comprar pão e nunca mais voltou.
Luriana, ou Luri, como todos a chamavam, agora tem seis anos, mas com tamanho de quatro. Frequenta precocemente o primeiro ano do ensino fundamental e mora com sua mãe em um pequeno apartamento quarto e sala, no quarto andar de um prédio sem elevador.
Léa, a mãe de Luri, é enfermeira e tem dois empregos, um no hospital e outro em uma clínica particular, anda sempre estressada e desde o sumiço do pai, arca com todas as despesas, suas e da filha. Às 6:30h da manhã, coloca a pequena no carro, um Uno Mille 1999, modelo antigo, e a leva pra escola, rumando depois direto para o hospital.
Às 12:00h sai correndo no sentido inverso. Luri é sempre a última aluna a ser “resgatada” na Escola de Ensino Fundamental Aconchego.
Após um almoço corrido, Léa beija a filha, recomenda, como sempre, que ela não abra a porta pra ninguém e volta ao trabalho. A pequena fica só, não pela vontade materna, mas pela falta de verba disponível.
Luri divide suas tardes entre as tarefas da escola, brincar no computador da mãe e a televisão. Uma repetição tediosa e solitária.
Certa vez assistiu a um filme em que a companhia de um cachorro mudava a vida de um menino, acabava com sua solidão e se tornavam amigos inseparáveis. Depois disso, a menina chegou a conclusão que um animal de estimação seria a solução de seus problemas. Atazanou o juízo de sua mãe, que tinha todos os motivos para não querer um bicho em casa, até que seu tio materno e padrinho abraçou a sua causa.
No almoço de domingo, César Augusto, seu tio, apareceu, como sempre, sem avisar, mas desta vez trazendo uma surpresa: um gatinho listrado, meio maltratado, magro, sem raça específica, ou seja; achado na rua.
- Luri, minha querida, esse é o Brédi Piti e vai lhe fazer muito feliz!!! Não liga pra aparência dele, com um “trato” ele vai ficar lindo!!! Disse seu tio. A menina adorou a novidade, mas sua mãe...
Com muito custo e promessas de que ela cuidaria do bichano, limparia todas as suas necessidades e mais a ajuda da “lábia” do tio, sua mãe acabou cedendo.
Pronto, agora ela tinha um companheiro!!!
Na hora de ir embora, César ainda cochichou no seu ouvido: - Luri, esse gato é mágico, se tiver algo que você realmente queira, ele vai te ajudar a realizar, ”viu”??? A menina feliz, abraçou seu tio e agradeceu.
Nos meses seguintes, Luri e Brédi se tornaram tudo que o filme mostrou e mais um pouco. Acordavam, comiam, dormiam, e passavam todo o tempo juntos, só não iam juntos para a escola. Brédi cresceu, engordou, virou um gato bonito, bem cuidado, limpinho com os banhos semanais, não fazia sujeira fora de sua caixinha de areia e só levava bronca quando afiava as unhas no sofá.
Mas com o tempo, Brédi, começou a apresentar um comportamento estranho e desagradável, fugia sempre que podia, fazia xixi no apartamento dos vizinhos, miava forte, de maneira estranha, por longos períodos. Melhorava, mas ciclicamente o comportamento voltava.
Léa não aguentava mais a reclamação dos outros condôminos, só não jogou o gato fora, pelos pedidos chorosos da filha e ainda gastou dinheiro mandando consertar os buracos na tela de proteção do apartamento, para evitar as fugas do bichano. As brigas ao celular com seu irmão, por motivo óbvio, se tornaram bastante frequentes.
Luri começou a se sentir cada vez mais incomodada com o comportamento de seu gato, principalmente por que ele não parecia ser mais feliz morando com ela.
Certa vez, ela ouviu a senhora do apartamento 404 dizer que Brédi estava no cio, Luriana mora no 403. A menina perguntou a sua mãe o que era cio, e ela respondeu que o gato precisava de uma namorada. O mundo da pequena, onde ela e Brédi se completavam e não precisavam de mais ninguém, começou a ruir, lembrou então do que disse o tio e desejou que Brédi voltasse a ser aquele gato só seu...
Mas não funcionou!!!
Sua mãe marcou a cirurgia de castração e tentou explicar a fillha que era a única saída viável. Apesar de querer muito ficar com o gato, Luri começou a se questionar se aquilo era realmente justo, Brédi não poderia ter filhotes, nem uma família, ela estaria impedindo seu gato de ser um bom pai... Será que não era muito egoísmo de sua parte???
Na véspera da castração, durante a aula, a professora de Luriana disse aos alunos que nunca fizessem aos outros o que não quisessem para si mesmos e que deveriam sempre respeitar a liberdade de cada um. Luri foi para casa com aquelas palavras ressoando em sua mente.
Após o almoço, sua mãe como sempre saiu para o trabalho.
Luri, sentou no sofá, em silêncio, com Brédi Piti em seu colo e enquanto acariciava seu gato, seus olhos encheram de lágrimas. Ela já tinha decidido o que fazer...
Mas como fazer???
Não podia deixá-lo simplesmente sair pela porta, só criaria confusão com os vizinhos, e como levá-lo para longe do prédio se ela nem ao menos podia sair de casa???
Pensou, até encontrar nas palavras do tio sua única saída. Sendo por uma causa nobre acreditou, que agora o desejo se realizaria. Luri pegou a tesoura da cozinha e abriu um buraco na tela de proteção da pequena varanda da sala, abraçou o gato e desejou de coração que ele fosse feliz e voasse para a sua liberdade, por via das dúvidas, repetiu três vezes o desejo!!!
Despediu-se dele com um beijo... E o lançou pela fresta da tela com lágrimas nos olhos.
E Brédi voou!!! Voou por 3,7 segundos...!!!
PS: Levemente inspirado em fatos reais.
terça-feira, 9 de julho de 2013
Luriana
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