segunda-feira, 17 de abril de 2023

O Mar de Maria Rita

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Ela foi registrada como Maria, em homenagem à avó materna, e Rita, em homenagem à avó paterna.

Quando criança era chamada de Mariazinha pelos parentes por parte de mãe e Ritinha pelos parentes por parte de pai. Maria Rita, seu nome composto, só era usado na hora da bronca dos pais. 

Teve uma infância normal, sem muito destaque, cercado por primos e irmãos. Nos tempos de ensino médio, onde o bullying corria solto, era conhecida como Maria Irrita, por ser bastante introvertida e pouco participativa nas “brincadeiras” dos colegas. Sua melhor e talvez única amiga na escola, que também era Maria, Maria Izabel, costumava chamá-la de 'Ma'.

Maria Rita era boa aluna. Não gostava muito de esportes, mas adorava dançar. As festas e a dança, porém, não eram olhadas com bons olhos por seu pai, Seu Athirson, rígido e evangélico. 

Namorou um menino da Igreja, três anos mais velho, quando tinha 16 anos. Um bom menino, filho de amigos de seus pais. Andavam de mãos dadas e trocavam beijos discretos, mas ela nunca se sentira realmente apaixonada por ele. Desfez a relação depois de um ano e meio, quando viu que ele começava a fazer planos sérios de um futuro conjunto. Ouviu um “pense bem” de sua mãe, mas foi uma grande decepção para seu pai. 

Maria Rita frequentou a Igreja com sua família até a sua maioridade e, pouco a pouco, se afastou. Acreditava em Deus, mas não se sentia confortável, nem tampouco se identificava com seus “irmãos” de Fé.

Gostava da música Maria Maria, de Milton Nascimento, que sua avó Maria tocava para ela desde criança; mas, por algum motivo, não se identificava completamente com a canção. Acolhedora e carinhosa, Vó Maria sempre foi seu Porto Seguro.

Seu primeiro namorado mais sério, nos tempos da faculdade de Sociologia, lhe dedicou o poema “O Mar de Maria”:

“…

Amo o Mar

Amo Amar

Tento mergulhar 

Mas as ondas me trazem de volta à praia

Não permitem que eu conheça 

Os mistérios e segredos

Guardados nas profundezas

Do Mar de Maria”

Era verdade, havia segredos que nem mesmo ela conhecia a fundo ou sabia como lidar. Isso lhe causava profunda angústia. 

Chegaram a pensar em casar quando ela engravidou, mas ela sofreu um aborto espontâneo. Eles terminaram com muito sofrimento após quase quatro anos de idas e vindas. 

Nos anos que se seguiram, teve alguns relacionamentos, mas nada tão consistente ou duradouro. E nada muito público.

Hoje, aos 37 anos, três anos após a morte de seu pai (com quem nunca teve coragem de se abrir) e anos de terapia, Maria Rita se assumiu trans e se chama Mário Rita, nome registrado. É casado com Maria Izabel, sua amiga dos tempos de escola, e fazem planos de adotar uma criança. Teve a benção de sua mãe e de sua Vó Maria, quase centenária, que só não gostou de Maria sair do nome. Claro, ganhou o desprezo e a rejeição de alguns familiares, também, principalmente dos evangélicos, mas continua acreditando em Deus.

Não sei se diria que Mário Rita está mais feliz agora; mas, com certeza, menos angustiado. Aliviado, com coerência e honestidade para seguir vivendo em paz com os segredos que guardava a sete chaves no fundo de seu Mar.

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