sexta-feira, 15 de junho de 2012

Na Bahia tem Precedente (Só se vê na Bahia)

Boiando em um mar sem ondas, com os olhos fechados, Taís queria sentir-se como uma oferenda à Iemanjá. Deixava-se levar pelas águas, em busca da comunhão perfeita.
Naquele dia, aquele trecho da praia em Salvador encontrava-se surpreendentemente deserto, com poucos frequentadores.
Taís passava por uma daquelas crises de final de adolescência, na qual sentia a necessidade de dar um significado dramático e idiossincrático para todas as suas atitudes. A frustração pelo insucesso recente no vestibular, também somava nesse processo. Ela tentava se afastar do mundo dos adultos, de todos eles, com exceção de sua querida e compreensiva avó. Sua avó, que nesse momento estava na praia, deitada em uma espreguiçadeira, também de olhos fechados, ouvindo Maria Bethânia no MP3 de Taís a cantar: "Quando o mar tem mais segredos, é quando é calmaria..." E foi surpreendida pela figura morena de um rapaz, que agachando ao seu lado, cochichou algo em seu ouvido.
A vovó reagiu de sobressalto: - Oxiii!!! Que susto moço! Disse, tirando o fone de ouvido. - Eu nem vi você se aproximando!!!
O rapaz retribuiu com um leve sorriso sem graça.
- E aí, continuou a senhora, você está vendendo o quê??? É de comer???
- Não faça escândalo, sussurrou o rapaz, isso é um assalto!!!
- É um assa...??? Tentou repetir a vovó, quando foi cutucada, na lateral das costelas, por um objeto pontiagudo, coberto por um pano.
- Quieta e ninguém se machuca vovó!!! Interrompeu o rapaz.
O pavor, evidente, surgiu nos olhos da velhinha, mas ninguém estava perto o suficiente para entender o que se passava e oferecer socorro.
- Mas o que é que você quer de mim moço???
Oferecendo um cesto de palha, parte de seu disfarce de vendedor, ele disse:
- Fala baixo vovó!!! Coloca o dinheiro e o que mais tiver de valor, aí dentro do cesto.
Respirando forte, fazendo hiperventilação para tentar manter a calma, ela respondeu:
- Olha moço, vou te dar o dinheiro, o “radinho” é de minha neta, não posso te dar, viu???
Nesse momento, Taís, levada pela corrente marítima, percebeu que se afastou muito da praia. Tentou nadar de volta, mas não conseguiu. O pavor tomava conta de seu corpo e paralisava seus músculos. E, já desesperada, gritando por socorro, começou a engolir água salgada.
Da praia a avó ouviu os gritos da neta e deixando o ladrão falando só, correu para a beira d’água.
- Socorro gente!!! Alguém ajude minha neta, pelo amor de Deus!!! Suplicava a velhinha, vendo ao longe os braços e a cabeça de Taís, que agora resistindo ferreamente a ideia de se tornar um presente da Rainha do Mar, debatia-se tentando não afundar.
Desesperada, sem ninguém para socorrer sua neta, a senhora caiu em prantos:
- Deus, por favor, salva minha neta!!! Por favor, salva a minha netinha!!!
Nesse momento, com os olhos cheios de lágrimas, sentiu um vulto, que passou por ela como um raio e se lançou ao mar.
“Graças a Deus, uma alma caridosa!!!” Agradeceu a vovó.
Ao ver aquele homem nadando com braçadas fortes, na direção de sua neta, a velhinha caiu de joelhos e começou rezar. Não se sabe por quanto tempo permaneceu assim, mas pareceu uma eternidade em “slow motion”. Ao se dar conta, o homem já havia conseguido trazer Taís para águas mais rasas e outras pessoas caiam na água para ajudar.
- Aleluia!!! Glória a Deus!! ! Louvado seja o Senhor!!! Gritava a senhora.
Quando finalmente, conseguiram conduzir Taís até perto da praia, ela correu para abraçá-la chorando.
- Deus misericordioso!!! Eu pensei que ia perder você, minha filha!!!
Taís já sentada na areia tossia convulsivamente, tentando expelir a grande quantidade de água que engolira. Ela foi cercada, repentinamente, por vários curiosos e palpiteiros de plantão, daqueles que dizem: faça assim, faça assado, surgidos não se sabe da onde.
Ainda com os olhos marejados e as mãos trêmulas, a avó procurou pelo herói salvador, querendo agradecer: - Cadê o rapaz que salvou minha neta???
- Ele foi pra lá!!! - Indicou um dos banhistas que ajudou no resgate.
Ao longe, a avó viu a figura do herói que se afastava apressadamente. Era a figura de um rapaz moreno com sua cesta de palha na mão!!!

Mais tarde, debruçada na janela da casa de praia da família, com um misto de medo e culpa, Taís observava o mar, o mar que quase a levou. Na verdade, ela sabia que a ideia idiota de se tornar uma oferenda foi dela, o mar só havia aceitado.
Sua avó lhe contara como Deus enviara um anjo, na forma de um ladrão, para salvá-la.
Ela ainda tossia um pouco e sentia a sua garganta ressecada pela água salgada.
De repente... é ele!!! O salvador de Taís!!! Ele passava como um raio pela praia, carregando uma mochila. Atrás dele um casal de turistas vinha em sua perseguição, gritando palavras que Taís não entendia, mas compreendia. Instintivamente ela passou a torcer pelo sucesso de seu herói.
Seu herói bandido.


PS: ”Pense em um absurdo, na Bahia tem precedente.” Frase de Otávio Mangabeira, ex-governador da Bahia.
Baseado em fatos reais.

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