Em um ponto de ônibus da Av. Otávio Mangabeira, perto do Nordeste de Amaralina, no calor intenso de uma ensolarada tarde Soteropolitana, Manoela, ou Manu como ela preferia, esperava seu demorado ônibus passar. Ela e meia dúzia de usuários, do mal cuidado transporte público da cidade de Salvador.
Manu, era de um branco quase pálido, tinha um rosto bonito, com olhos expressivos, era alta, com quadris largos, mas pouco volumosos, as pernas muito longas, quase desproporcionais, mas o que a incomodava mesmo eram os seus pés, tamanho 41. Ela definitivamente, não gostava de seus pés e menos ainda, da dificuldade de achar sapatos de seu número.
Uma senhora ao seu lado reclamava sem parar, para quem quisesse, e principalmente, para quem não quisesse ouvir, do calor, da demora do ônibus, do descaso das autoridades com a população, da falta de segurança, das promessas não cumpridas dos políticos em época de eleições, que as obras eram só em bairro de "bacanas"... Aliás, reclamava de tudo. E o desagradável monólogo ressentido da senhora, aumentava muito o desconforto causado pelo calor.
“Que chata, cala essa boca!!!” Pensou consigo Manoela, que tinha conseguido a tarde livre no escritório de contabilidade, onde trabalhava, para compensar as horas extras do serão do último sábado. O seu estilo meio “hiponga” não combinava muito com o seu formal ambiente de trabalho, mas a sua eficiência, dedicação e iniciativa, tinham vencido qualquer resistência e contras que existiram no princípio de sua contratação.
- Ressentimento é como “tomá” veneno e “esperá” que o outro morra...Sussurra uma voz masculina perto de seu ouvido.
Quando Manu se vira encontra um homem branco, queimado de sol, nem alto, nem baixo, óculos escuros e um ralo bigode meio “cafa”.
- Ai!!! Que susto você me deu!!! Diz ela arrumando o cabelo.
- Perdão mocinha, não foi minha intenção...
- Ah!!! Tá tudo bem...Manoela esboça um sorriso, tentando ser simpática.
- Que bom... pois eu quero que “ocê” aja o mais “naturar” possível...
- Como assim???
O sujeito pressiona fortemente a mão direita, coberta por um jornal dobrado, contra a sua barriga.
- Ai!!! O que é isso??? Manu, com sua curiosidade meio sem noção, levanta a ponta do jornal.
- Uma arma???
- Quieta!!! É uma arma sim!!! E faz o que eu mandar pra não machucar ”ocê”!!!
- Ui moço!!! Você gosta de machucar??? Diz Manoela com um leve tom de insinuação maliciosa.
Inesperadamente, o assaltante tira os óculos escuros e abaixa o olhar.
- Na verdade, não... Diz mudando de tom. - É mais pela necessidade mesmo. Não gosto de “machucá” ninguém não... Se não ”tivesse” desempregado a tanto tempo... quase dois “ano... Minha mulher me “deixô” e “vortô” pro “interiô” com os “fios... Só roubo porque preciso mesmo, pra "podê" manda um dinheiro "pá famíia".
- Oh “bichinho”, eu te entendo, não fica assim não...Diz Manoela compreensiva. Mas vendo que o assaltante “murchou”, ela cutuca provocando:
- Mas isso é um assalto ou uma sessão de terapia???
- Um “assarto”!!! Diz o sujeito em voz alta, colocando de volta os óculos, como se estivesse se recobrando de um transe.
Nesse momento, a senhora “reclamona”, percebe o que está ocorrendo e começa a gritar:
- É um assalto!!! Socorro!!! Polícia!!!
A senhora avança contra o ladrão e começa a agredí-lo com “bolsadas” e tapas, isso incentiva os outros, que estavam no ponto a quererem participar. O homem agredido fica sem ação. Parece o prenúncio de um linchamento.
Temendo pela integridade física do meliante, Manoela toma a arma de sua mão e ameaça os agressores: - Para trás!!! Todos!!!
- Mas moça, esse cara ‘tava” te assaltando...Diz um deles
- Não quero saber!!! Ninguém vai bater em ninguém aqui!!!
De repente a senhora toma a frente dos outros:
- Escuta aqui sua vira casaca, eu sei que vc não vai atirar em ninguém e sai da frente se não quiser apanhar junto!!!
Ela avança ameaçadora na direção de Manu, que instintivamente atira para o alto, abrindo um rombo na cobertura do ponto de ônibus.
A debandada é geral, o pavor toma conta dos agressores, que fogem para todos os lados.
Nesse momento ela devolve o revólver para o ladrão, acena para um ônibus que passava por ali e embarca nele, quase “arrastando” consigo o assaltante. Em tempo, ainda mostra a língua para a senhora agressora, antes do ônibus fechar a porta e partir.
- O que aconteceu ali??? Pergunta o cobrador.
- Ou foi um tiro ou aquela senhora soltou um peido tão forte, que todo o mundo fugiu!!! Conta Manoela, dando uma sonora gargalhada.
- Eu pago a dele, diz indicando o assaltante, que agora todo constrangido, tentava esconder o revólver sob o jornal.
Passaram pela catraca e sentaram num banco mais ao fundo, meio escondidos.
- Pronto!!! Acho que agora estamos seguros. Passa isso pra cá, que vou guardar pra não “dar bandeira”. Diz guardando a arma na bolsa. - Ah!!! E tira esse óculos escuros, que vou guardar também... Nossa!!! Você tem olhos lindos!!!
Meio em choque, o ladrão não protesta e faz o que ela manda.
- Para onde "tamo" indo??? Ele pergunta.
- Onde??? Sei lá!!! Isso importa??? Eu queria é tirar a gente de lá!!!
Mas vendo a cara de preocupação dele, ela conta sorrindo:
- Fica tranquilo, esse ônibus passa lá perto de casa. Sempre pego ele. Conheço toda a turma. Ela chama o cobrador e acena para ele, que responde: - Diga Manu!!!
- Viu??? A propósito meu nome é Manoela, mas pode me chamar de Manu, e o seu???
- E..Edi...Edmirso...
Manu aperta a “mão de morto” do assaltante com firmeza e um sorriso enigmático:
- Muito prazer Edmilson, muito prazer!!!
- “Prazê”... Responde o homem sem muita convicção.
Algumas paradas adiante o homem se levanta e faz menção de descer:
- Obrigado pela “passage”, mas eu vou ficando por aqui...
- Fica nada!!! Diz Manoela puxando o de volta para o assento e cochichando em seu ouvido: - A essa hora já avisaram a polícia!!! É melhor a gente ir lá para casa e dar um tempinho. “Ficar na moita” até as coisas esfriarem.
- É longe??? Pergunta ele.
- Que nada...pertinho!!!
- Então tá bom... Diz Edimilson, sem muita escolha.
Setenta e três minutos depois, eles finalmente desembarcam do ônibus, no “pé” de um morro, nas proximidades do estádio do Barradão, na periferia da cidade.
- Estamos quase lá, diz Manu.
- Lá onde??? Feira de Santana??? Ironiza Edmilson.
- “Oxe”, que exagero... Já “tamo” chegando!!!
A casa de Manoela ficava em um conjunto habitacional, construído pelo governo do Estado, sobre a íngreme encosta de um morro, há umas quatro gestões passadas e já carecia de algumas reformas.
- É lá em cima, indica Manu, apontando para o topo do morro.
O assaltante olha pra direção indicada, para o céu e respira fundo.
Edmilson sobe ofegante "trocentos" degraus morro acima, tentando acompanhar as passadas largas e ligeiras das longas pernas de Manu, que facilmente driblava os degraus rachados ou soltos. As crianças das pequenas casas geminadas davam risada e caçoavam da cômica situação.
No topo do morro:
- Pronto, chegamos, essa é minha casinha!!! Diz ela abrindo a porta.
Ainda tentando recuperar o fôlego ele entra cabisbaixo na casa.
Manu acende a luz, Edmilson ergue o olhar...e toma o maior susto!!!
O pequeno quarto e sala de Manoela era todo decorado com instrumentos e objetos de submissão sado-masô!!! Correntes e cordas de “bondage” penduradas no teto, cama com algemas, fotos de homens nus nas paredes, prateleiras cheias de anéis penianos, vibradores, “consolos” de todos os tamanhos, entre muitos outros brinquedos do gênero. Destaque especial para o sapato preto, de salto alto finíssimo, biqueira de metal, número 41, extra-grande, que com certeza foi feito sob medida.
- Bem-vindo “Big Eddie”!!! Diz uma Manu dominadora, com um chicotinho na mão.
Antes sem fôlego, agora Edmilson estava sem palavras.
Manoela vestindo um apertado corpete de couro preto, que levantava seus belos seios, sustentado-os de uma forma alta e agressiva, e com uma calcinha, também preta, estilo “fio dental”, fuma um cigarro deitada na cama, visivelmente aborrecida com a situação. Na beira da cama, o “Big Eddie”, sentado, nu, com um travesseiro entre as pernas, todo intimidado, retraído, "little", envergonhado, sem conseguir participar das fantasias de Manu.
De repente ela se levanta dizendo: - Já sei!!! Espera aí!!!
Vai pra cozinha onde bate no liquidificador uma mistura de Catuaba, ovos de codorna, amendoim, chocolate em pó, gengibre, e até Viagra entre outros afrodisíacos.
Com o copo do “coquetel do amor” na mão, ela volta para o quarto.
O copo de vidro se espatifa no chão.
Edmilson sumiu!!!
Esquecendo o traje que veste, ela vai atrás do fugitivo.
Ela o avista “despencando” escadaria abaixo, só de calça, com a camisa e os sapatos na mão.
- Volta aqui seu filho da puta!!! Seu “brocha”!!! Você ainda não terminou seu serviço!!!
Grita Manu raivosa.
Sem olhar pra trás, Edimilson corre ainda mais rápido quando ouve a voz de Manoela, quase tropeçando nos degraus.
As crianças dão gargalhadas e se deleitam com a visão de Manu seminua, aos gritos, no topo da escadaria.
Em um ponto de ônibus da Av. Otávio Mangabeira, perto do Nordeste de Amaralina, no calor intenso de uma ensolarada tarde Soteropolitana, Edmilson, ou Eddie como ele não gostava de ser chamado, esperava seu demorado ônibus passar. Ele e meia dúzia de usuários do mal cuidado transporte público da cidade de Salvador. Mas Edmilson estava feliz, tinha finalmente conseguido um emprego: Repositor de Supermercado.
- Ressentimento é como tomar veneno e esperar que o outro morra... Sussurra uma voz feminina perto do seu ouvido.
Quando ele se vira encontra uma mulher branca, mais branca que ele, alta, de óculos escuros, pernas muito longas e pés tamanho 41.
- Manu!!! Diz ele surpreso.
- Shhh!!! Quieto “Big Eddie”!!! Eu quero que você aja naturalmente!!!
Edmilson sente um frio na espinha ao ouvir aquele apelido.
- Meus "óculo"!!!
- Não só os óculos, lembra??? Diz Manuela, forçando sua mão direita coberta por uma revista contra as costelas dele.
- Minha arma!!! Mas o que "ocê" quer??? Eu mudei de vida!!! Eu arrumei um emprego...
- Que bom!! Então você paga a Catuaba, o Viagra e o ônibus. E “bora” lá pra casa que a gente tem um “servicinho” pra terminar.
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