terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Gênio Da Grande Área


Diferente do volley ou basquete, onde a altura exerce uma real influência, o futebol é um esporte onde os baixinhos geniais ainda podem fazer a diferença. Um em especial, mudou a sorte do Brasil, na Copa de 1994. Aquele apelidado pelo craque holandês Johan Cruijff de “o gênio da grande área”: Romário.
Graças a teimosia da dupla Parreira e Zagallo, o “baixinho” vinha sendo excluído do grupo da seleção brasileira nas eliminatórias, por motivos disciplinares, e só foi convocado na última partida, contra o Uruguai, por pressão popular. O Brasil estava “mal das pernas”e corria o risco de ficar, pela primeira vez, fora de uma Copa do Mundo. Resultado: Brasil 2X0 Uruguai.  Estávamos classificados, com dois gols dele, Romário, ídolo e jogador do poderoso Barcelona da Espanha.
Aos vinte e quatro anos,  eu cursava o último ano da faculdade de Jornalismo na Cásper Líbero. Antes tinha cursado um ano e meio de Música, na ECA, da Universidade de São Paulo, mas desisti.
O aprendizado formal de música não me fascinou tanto, e na realidade, eu não era um músico tão talentoso como gostaria de ser. Estava decidido a ser um jornalista. Apesar de já escrever matérias pra revistas culturais, principalmente sobre música, ainda tinha a vontade de abordar o assunto esporte também.
Tinha perdido meu pai em um fulminante ataque do coração, em março de 1991. Meu pai era Palmeirense fanático, e graças a ele, desenvolvi uma grande paixão pelo esporte bretão. Só parou de me levar aos estádios, quando aos 14 anos, assumi minha opção de ser Corinthiano. Ficou uns seis meses, quase sem falar comigo. Comigo pouco falava, mas questionava minha mãe:
- Mas Beth, por que ele quer ser Corinthiano???
- Deixa o menino escolher o que quer Rafael.
- A família é toda italiana!!! Tem que torcer pro Palmeiras!!!
- A família é italiana, e você torce pelo Brasil!!! Retrucava minha mãe.
- Mas tinha que ser logo pelo Corinthians???
A Copa dos Estados Unidos, seria a primeira sem meu querido pai.
Apesar de sua participação em todas as Copas, o Brasil estava a cinco torneios mundiais sem vencer, ou seja, a última vitória tinha sido no México, em 1970, ano de meu nascimento. A essa altura já tinha deletado aquela história de  ser o “Amuleto da Sorte” da seleção, inventado por meu pai.
Apesar do azar como torcedor  da Seleção Brasileira, não podia me queixar da sorte quando o assunto era amor. Estava apaixonado por Larissa, com quem namorava há três meses. Alta, esguia, com cabelos castanhos claros e olhos mel, Larissa, neta de espanhóis, era uma mulher belíssima. Com uma postura altiva, quase pedante, pernas fortes, e gestos graciosos e precisos de muitos anos de ballet. “Lissa”, como eu a chamava, passava longe do esteriótipo “linda e burra”, era a melhor aluna da nossa turma de Jornalismo.
Marina, Anna, Isabella e Larissa. Eu já era Tetra e torcia para Brasil ser também.
Após o show na vitória contra o Uruguai, nas eliminatórias, a convocação de Romário se tornou obrigatória.
O Brasil, passou pela primeira fase da Copa, com duas vitórias e um empate: 2X0 na Rússia, 3X0 em Camarões e 1X1 com a Suécia. Romário, balançou a rede em todos os jogos.
Nos Estados Unidos, a seleção apresentou um futebol burocrático, cheio de preocupações defensivas e pouca criatividade, dependendo quase que exclusivamente dos lampejos geniais do ”baixinho”. A torcida brasileira estava cética, muitos times brasileiros “morreram na praia”, jogando um futebol bem melhor que o do time de Parreira.
Assistimos os jogos no mesmo grande sofá marrom de couro de outras Copas, eu sentado entre minhas mulheres, mamãe e Lissa. Na ponta esquerda, deixamos livre o lugar preferido de papai. Às vezes, esperava ouvir um comentário exaltado e irônico, mas a voz de meu pai não soava mais naquela sala. O que diria ele desse time sem encanto???
No dia 4 de julho, dia da Independência Americana, o Brasil enfrentou o time da casa pelas oitavas de final. Numa partida dura, com toda a torcida contra, disputando grande parte do jogo com um a menos, Leonardo, nosso lateral esquerdo, foi expulso após dar uma cotovelada no americano Tab Ramos, o Brasil vence: 1X0!!! Gol de Bebeto, com passe genial do “baixinho”, é claro.
Nas quartas de final um grande jogo contra a Holanda, com direito a quebra de um tabu de vinte anos sem vitória brasileira. Cinco gols, todos no segundo tempo. O Brasil saiu na frente com gols, dele, Romário, e  de Bebeto, com a sua comemoração “nana nenê”. A Holanda empatou com Bergkamp e Winter, e Branco fez o gol da vitória do Brasil, batendo falta, com uma fantástica tirada de bunda do caminho de Romário, que confundiu o goleiro holandês. Brasil 3x2 Holanda!!!
A semifinal nos aguardava.
Comecei a sentir o receio da sina futebolística de azarado das Copas, que me acompanhava por 24 anos, ou seja, por toda minha vida, com exceção do dia de meu nascimento, começasse a valer. Meio envergonhado em admitir tal superstição, conversei com Lissa a respeito. Contei a estória do “Amuleto da Sorte”, achei que ela fosse achar ridículo, mas sua reação me surpreendeu:
- Relaxe, eu acredito em você. Você só me trouxe sorte. É o meu “Amuleto da Sorte” e não vai dar azar pra ninguém!!! Seu pai sabia das coisas. Me abraçou forte e me deu um beijo cheio de paixão e confiança.
“Adoro essa mulher!!!” Pensei.
Na semifinal, nova partida contra a Suécia, de Thomas Brolin e do goleiro Ravelli. Jogo ainda mais difícil que o 1X1 anterior. O zero no placar se arrastou até os 35 minutos do segundo tempo quando aconteceu o gol salvador. De maneira inusitada, do alto de seus 1,69m, o gigante Romário decretou de cabeça, Brasil 1X0.
Estávamos na final!!!
E por ironia, nossa adversária, era novamente, a também tricampeã Itália, que tinha seu grande líder Franco Baresi de volta, após uma artroscopia no joelho, e  Roberto Baggio, seu craque maior, em uma forma esplendorosa.
O mundo conheceria seu primeiro Tetracampeão.
Como o futebol que o Brasil vinha jogando não convencia, a torcida era por um novo milagre de “São Romário”.
Para um jogo final de Copa do Mundo, a partida rolou morna, truncada, sem grandes emoções. As duas equipes se mostraram com excessivas preocupações defensivas.
O Brasil parecia um cavalo de raça querendo disparar, mas contido por um jockey pouco ousado, jockey de nome Carlos Alberto Parreira.
O zero não saiu do placar, nem no tempo normal, nem na prorrogação.
Pênaltis!!!
Pela primeira vez uma Copa do Mundo seria decidida nos pênaltis.
Senti um frio na espinha e a célebre frase “O pênalti é tão importante, que deveria ser batido pelo presidente do clube”, me veio a cabeça.* Mas o presidente do “clube” Brasil, em 1994, era Itamar Franco. Acho que não teria dado muito certo.
Baresi foi o primeiro a bater...pra fora!!!
Pagliuca defende a cobrança de Márcio Santos!!!
Albertini desloca Taffarel e marca!!!
A bola de Romário bate na trave... e entra!!!
Evani e Branco marcam!!!
Massaro bate e... “Vai que é sua Taffarel!!!”*
O Capitão Dunga marca e vibra muito!!!
Cabe ao grande craque italiano, Roberto Baggio, bater o pênalti decisivo...
Pra fora!!!
Dou um salto, quase bato a cabeça no teto e saio correndo pela sala.
Baggio perde o gol mais importante de sua vida, fato que ofuscaria o brilho de toda a sua grande carreira.
O Brasil é Tetracampeão!!! Sorte ou competência??? Importa???
Depois de 24 longos anos, voltávamos ao topo do Pódio.
Romário é eleito o craque da Copa. Com certeza, sorte do Brasil, contar com a competência do “baixinho”.
Abracei as duas mulheres de minha vida e gritei muito, exorcizando o azar!!!
Larissa me beijou e disse: - “Viu” como você deu sorte???
Eu não acreditava muito nisso, mas me livrar da sina de azarado era bom demais!!!
Com lágrimas nos olhos, fui ao terraço da casa, olhei para o céu, polvilhado de fogos de artifício e pensei:
“Esse título é pra você pai!!!”

*Bordão criado pelo locutor esportivo Galvão Bueno.
*Não se sabe ao certo de quem é a autoria da frase, que é atribuída a Nenê Prancha ou João Saldanha.

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