terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Caverna dos Anciões (Nepal Capítulo 3)

Talvez não devesse ter sido tão curioso.
Quando perceberam que eu era um jornalista e estava ali para escrever sobre os segredos do “Povo Tatu Bola” e divulgar ao mundo, houve uma revolta dos aldeões.
A matriarca da aldeia ainda tentou intervir ao nosso favor, mas fizeram um julgamento sumário: culpados, eu e Maritza!!! Nos deram um chá de ervas, perdemos a consciência e quando acordamos, já estávamos de olhos vendados. Acho que nos fizeram caminhar por mais de quatro horas, uma caminhada lenta, subindo trilhas íngremes. O medo, o cansaço e muito frio faziam nossas pernas tremerem, aumentando a pressão e tornando a caminhada ainda mais perigosa. Será que iriam nos jogar do alto do Manaslu*, em algum desfiladeiro, onde nunca mais encontrariam nossos restos mortais??? Mil ideias passavam pela minha cabeça, nenhuma favorável a nós.
Pelos resmungos sabia que Maritza estava no grupo, mulher valente, ela xingava e reclamava, mas escondia o medo e não pedia clemência aos aldeões, que deviam ser uns quatro ou cinco, que nos cutucavam com bastões quando “empacávamos”, nos davam um chá energético e empurravam para seguirmos adiante.
Tentei conversar e negociar, disse que “deletaria” tudo que tinha escrito e pesquisado sobre eles, mas eu não falava Parbatiya*, só algumas poucas palavras, que aprendi ao longo da semana, e eles não queriam se comunicar comigo.
Exaustos, chegamos a um lugar muito alto, onde ventava bastante. Seria o fim???
Chamei Maritza e segurei firme a sua mão.
- Quando Pradip voltar, vocês vão assassiná-lo também??? Gritei desesperado, mas novamente fui ignorado.
Ouvi conversas entre eles, barulho de pedra, rochas sendo movidas, empurradas, arrastadas.
De novo somos cutucados  com os bastões e nos fizeram caminhar mais uns vinte passos.
O barulho do empurra-empurra de rochas se repetiu, as vozes foram ficando abafadas, até que se fez silêncio. Não havia mais vento. O frio diminuiu sensivelmente.
Tirei a venda dos olhos, mas a escuridão permaneceu.
Chamei por Maritza e pela resposta vi que ela está ao meu lado.
- É uma caverna??? Perguntei.
Acho que sim...ela respondeu.
Sem saber o que fazer, comentei:
- Pensei que iam nos jogar do alto da montanha. Pelo menos estamos vi...
- Espera um pouquinho, ela interrompe.
 Ouvi barulho de ziper e movimentação de roupas
- Pronto, espero que ainda tenha bateria, diz pegando sua inseparável câmera digital, que ficara guardada dentro de seu casaco.
Maritza conseguiu ligá-la, e pela luz do monitor de LCD, pos no modo com flash e começou a disparar a câmera.
Mas as revelações, não foram das mais agradáveis.
- É uma caverna mesmo...mas o que é isso??? Disse assustada.
Mais alguns flashes e temos a certeza!!!
- São esqueletos!!! Grita Maritza aterrorizada.
- É um cemitério!!! Merda, nos enterraram vivos!!!
De repente, uma voz pequena e envelhecida, soou atrás de nós.
- É a caverna dos Anciões. Somos deixados aqui para fazer a passagem.
Instintivamente, Maritza virou a câmera na direção da voz e a disparou.
Pra nossa surpresa era a matriarca da aldeia. Ela estava de pé segurando todos os presentes que Maritza  tinha lhe dado. Ela tinha sido deixada pra morrer conosco.
- Mas por quê, Mama Tamushyo??? Perguntei eu.
- Eu deixei vocês ficarem na aldeia. Eu fui considerada uma traidora pelo meu povo. Acreditei em vocês...e vocês me traíram!!!
Nesse momento, a culpa não coube mais em mim e desesperado comecei a gritar, batendo na grande pedra que tampava a saída da caverna:
- Não!!!! Não!!! Mama Tamushyo é inocente!!! Tirem a gente daqui!!! Eu não vou publicar nada!!! Eu prometo!!!
Acordei de sobressalto gritando, suado e ofegante. Foi um pesadelo!!!

Maritza trouxe um chá e sentou ao meu lado na cama.
- Tome, pra você se acalmar.
- Obrigado. Foi um pesadelo horrível!!!
- Deu pra notar, você gritou muito.
Contei o sonho para ela, com todos os detalhes que lembrava.
- Espero que isso não seja uma premonição, diz Maritza.
- Acho que tem a ver com o que tenho sentido, sabendo que vamos divulgar para o mundo, como vivem aqui na aldeia e o que isso pode vir a causar.
- Sabe que eu tenho pensado nisso também??? Disse demonstrando preocupação.
Tomei um gole de chá.
- É chá de que??? Perguntei.
- De folha anti-chulé!!! Respondeu Maritza rindo.
- Engraçadinha...
- Mentira bôbo, é chá de cogumelo de bosta de yak, relaxa e deixa você “viajandão”.
Dei risada junto com ela, mas retomei o assunto do pesadelo:
- Você sabe que no sonho, Mama Tamushyo falava português???
- Será que na verdade ela entende tudo que falamos??? Perguntou Maritza sorrindo.
Conversamos mais um pouco e ela acabou adormecendo ali mesmo com a cabeça apoiada em meu ombro. Procurei uma posição mais confortável para os dois.
O contato com o corpo quente de Maritza aflorou em mim o desejo, mas a lembrança de que ela tem um “affair” de terceiro grau, com meu amigo Fabrício, evitou que as coisas esquentassem ainda mais.
Tentei dormir, mas não consegui mais pregar os olhos até o amanhecer.


Manaslu*: é a oitava montanha mais alta do mundo. Seu nome significa “A Montanha do Espírito”.
Parbatya*: língua das montanhas do Nepal

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