Cícero Delfino da Fonseca, ou CDF como era conhecido pejorativamente pelos colegas, dono das melhores notas de sua sala de Direito, costumava se encaminhar para a biblioteca da Universidade e repassar toda a matéria na véspera dos dias de prova. Como o habitual, sentou-se em uma mesa central, equidistante, mas o máximo distante, de pessoas e das estantes cheias de livros. Quem o conhecia, sabia que ele não gostava de socializar com ninguém nesses momentos.
Ligou seu notebook, abriu um pesado Vade Mecum* da biblioteca, colocou seus fones de ouvido “bluetooth”, e acessou sua lista de músicas preferidas em um canal de streaming do seu celular, que já acusava estar com pouca bateria. Nesses momentos de estudo, ele gostava de ouvir música clássica pra tranquilizar.
Play!!! Começou com Yo-yo Ma tocando a Suíte No1 para Cello de Bach.
De repente, Cícero Delfino notou uma movimentação estranha ao seu redor… Levantou o seu olhar, tirou seus óculos de leitura, e viu que todos os presentes na sala começaram a se movimentar suavemente, sincronizados ao som de sua música. Dançavam como bailarinos e dançavam bem!!! Estranhando o fato, tirou um de seus fones do ouvido e viu que não havia vazamento de som, mas todos pareciam ouvir perfeitamente a Suíte de Bach. A coreografia evoluía inclusive com interação entre os presentes, como se tivesse acontecido um ensaio prévio. Assustado aperta o Pause interrompendo a música e vê que tudo volta ao normal, à movimentação habitual. Ninguém dançava mais!!! Aperta o Play!!! E todos voltam com as evoluções coreográficas!!! Aperta o Pause… o Play… O Pause… O Play!!! E viu que o processo se repetia!!!
Desligou a música e ficou a observar por momentos o que faziam as pessoas e suas expressões, mas nada anormal, que denunciasse que quiseram lhe pregar uma peça!!!
Como não usava nenhum psicotrópico, para se certificar que não era um momento seu de insanidade, resolveu repetir o processo, mas agora escolhendo um Rock.
Play Again!!! Jumping Jack Flash dos Rolling Stones!!! E viu que agora, não só dançavam, como também cantavam sincronizados com a música que pulsava em seus ouvidos!!!
Tomou um tremendo susto, quando um colega da mesa mais próxima, mas não tão próxima, subiu na cadeira, empunhando ferozmente sua "Air Guitar"!!! Até o funcionário que limpava o café derramado no chão da Biblioteca, cantava e dançava a "la Mick Jagger”, com seu microfone de cabo de escovão.
"I'm Jumping Jack Flash!!! It’s a gas, gas, gas!!!”
Cícero Delfino se escondeu atrás da tela de seu notebook e desligou correndo a música.
Lentamente subiu a cabeça para observar o que estava acontecendo, e viu que nada denunciava o "Rock Horror Show" que acontecera há momentos atrás!!! Tudo normal, assustadoramente normal!!! Achou tudo até mais silencioso do que o habitual, esquecendo que estava usando fones auriculares.
Será que estava delirando ou presenciara um inexplicável momento de histeria coletiva???
Pensou em ir embora correndo dali, mas como apesar de assustador, o fato não era ameaçador, coçou sua cabeça com os cabelos que já começavam a rarear, tomou coragem e resolveu tirar a última prova antes de sair.
Play!!! Brasil Pandeiro, de Assis Valente, foi sua escolha e… novamente aconteceu!!! Em instantes, a sala da biblioteca parecia mais a quadra de uma Escola de Samba em dia de vitória no Carnaval!!! Todos cantavam, dançavam e faziam do que estivesse à mão seu instrumento de percussão!!! O frenesi coletivo era emocionante e contagiante, Cícero Delfino começou a perder o medo e tamborilar as teclas do notebook ao ritmo da música, seu corpo sacolejava de leve, um sorriso quase involuntário estampou seu rosto e esquecendo que era desafinado, começou a cantar junto:
“Brasil, esquentai vossos pandeiros
Iluminai os terreiros
Que nós queremos samb…"
Mas de repente, a música parou!!!
Todos "congelaram" nesse momento, na posição que estavam!!! Bocas que cantavam sem som, corpos que dançavam sem movimento!!! Como estátuas, nem piscavam mais!!! Mas por quê???
Depois de passar alguns momentos atônito, Cícero Delfino achou a resposta!!! "O mundo" parou porque acabou a bateria de seu celular!!!
Apavorado, levantou recolhendo suas coisas às pressas, caminhou rapidamente pela sala desviando dos dançarinos “congelados”, colocou o Vade Mecum no balcão da bibliotecária, uma senhora sisuda, que gostava mais dos livros do que de gente, que também parecia estar em animação suspensa, e ia saindo em direção à porta, quando a viu olhar por cima do óculos e com um tom sério dizer:
- CDF, da próxima vez, vê se carrega melhor esse celular!!!
PS: "E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Friedrich Nietzsche
Muito bom! parabéns!
ResponderExcluirMuito legal, Kan!
ResponderExcluirMuito legal, Kan! Parabéns
ResponderExcluirGenial Kan !!!!
ResponderExcluirGenial Kan !!!
ResponderExcluirhahhahahha Adorei, pai! Mas toda vez que você usa “!!!!” continuo lendo “gritando”. bjkks Mitcha
ResponderExcluir😅😅😅 CDF precisa ganhar um power bank nesta Páscoa, não ovos de chocolate... 🙌 Muito bom, Kan!!! 😍
ResponderExcluirParabéns Kan. Sempre talentoso❤
ResponderExcluirAdorei meu amigo. Uma ótima maneira de colocar pra fora sua criatividade e seu conhecimento musical. 😍👏
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