Preparei um hambúrguer em casa e o seu cheiro ficou impregnado, não sei se foi em minhas narinas, nos meu cabelos, ou talvez, em meu ser como um todo. Sendo assim, tomei um banho completo pra me livrar de sua insistente companhia. Mesmo rendido ao banho, relutei em escovar os dentes, queria poder desfrutar seu sabor por mais algum tempo, ele não era especialmente saboroso, era desses simples, de caixa. Nada desses caríssimos gourmets, mas me trouxe a lembrança saudosa de outros hambúrgueres, ao longo de minha vida.
O primeiro, claro, o de minha mãe, todo caseiro, cuja forma lembrava mais o polpetonne do Jardim de Napoli, do que o dos hambúrgueres tradicionais, era redondo, gordo e suculento. Não comíamos como um sanduíche e sim como protagonista nas refeições, o sabor era diferenciado, não sei se melhor, mas diferente de todos os outros, que vieram depois. Creio que minha opinião seja suspeita nesse caso.
Minha segunda lembrança "hamburguerística", ainda na infância, é um "walking thru” pós praia, em uma fila enorme, todos em trajes de banho, com meu pai e minha irmã mais velha, em um BOBS, em nossas férias no Rio de Janeiro, acho que era em Ipanema, onde todo o atendimento/pagamento/retirada de sanduíches era feito através de um “buraco na parede" e nada víamos do interior do estabelecimento. O sabor do sanduíche??? Não tenho mais a mínima ideia!!!
Não havia muitas cadeias de Fast Foods no começo de minha adolescência paulistana, lembro do Jack in The Box no estacionamento do Jumbo Eletro do Aeroporto de Congonhas e na Praça Panamericana, então, o cheese salada da lanchonete do bairro, na Aclimação, rua José Getúlio, que eu frequentava com os amigos, nos dias de aula em período integral da saudosa escola Montessoriana da rua Castro Alves, é a minha terceira lembrança. Um balcão rodeado de cadeiras giratórias e uma pequena chapa, onde o dono preparava com carinho seus simples e gostosos hambúrgueres artesanais. Naquela época, comer um hambúrguer e tomar um refrigerante era uma opção muito mais em conta do que um PF (prato feito), acreditem!!!
A quarta lembrança, já com a cidade cheia de Mac Donalds, é da época de PUC SP, em uma lanchonete chamada Docas, na rua Monte Alegre, vizinha à Universidade. Em meu primeiro encontro, com Cidália, uma linda jovem oriental com nome português, pedi um Cheese Champignon, um cheeseburguer com um molho rosê e cogumelos Paris, pra minha surpresa e vergonha, o molho rompeu o saquinho de papel em torno do sanduíche e caiu no meu colo, manchando meu novo agasalho esportivo azul turquesa. Lembro até hoje de sua cara de reprovação, segurando a risada. O sanduíche??? Saiu caro!!! Imagino que até fosse bom, em outras circunstâncias.
A próxima lembrança não é a de um hambúrguer específico, mas de alguns associados à uma fase da vida, dos 23 aos 30 e poucos anos, já trabalhando, morando sozinho a alguns quarteirões da Av Paulista, eu comparecia sempre ao América, da Alameda Santos com seu hambúrguer na grelha, lembro também dos hambúrgueres com milk-shake duplo nas madrugadas, depois do nosso tradicional Futebol Society, o “Perdidos na Noite”, no Joakin’s, Chico, Burdog, New Dog, e outros tantos, onde nos reuníamos para a resenha futebolística semanal, e que tristemente, hoje não constam em nenhuma lista dos melhores hambúrgueres da cidade!!!
A sexta é a lembrança da saudade. Diferente de agora, quando cheguei à Salvador para trabalhar, nos anos 90, não havia um hambúrguer respeitável na cidade, ainda mais comparando com São Paulo, por incrível que pareça o McDonalds ainda era a melhor opção, aí batia aquela falta do lanche gostoso, principalmente nas madrugadas depois da labuta!!!
A sétima é de minha Lua de Mel do terceiro casamento, o sanduíche do Joe’s de Manhattan, autointitulado o melhor hambúrguer de Nova Iorque, ao sul da ilha, perto do monumento ao 11 de Setembro. Não dava pra ir aos EUA e deixar de provar um tradicional hambúrguer, era realmente muito bom, mas acho que em São Paulo tem uns tão bons quanto!!!
E, por último, vou citar os gourmetizados hambúrgueres, na pandemia, pedidos via Ifood. Hoje, as hamburguerias infestam a cidade de Salvador, não dá pra consumir sempre, pois custam muito mais do que uma refeição comum. Alguns muito bons, ganharam até prêmios nacionais, mas cá para nós, estão longe de ter o espírito e a identidade daquele hambúrguer que me acompanha desde criança. Talvez sinal dos tempos, talvez uma precoce velhice saudosa. Acho que eu daria a melhor picanha para poder comer de novo um hambúrguer de minha mãe.
Escovei os dentes.
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