sábado, 25 de junho de 2022

Aka Tombo (O Vestido, Parte 2)


O Limbo

A ausência do vestido deixou um vazio não preenchível, inexplicável pela razão.
Um grande Nada pareceu envolvê-lo e a alegria de seguir naquele caminho desapareceu. Ele olhava ao redor e tudo parecia perder a nitidez. Foi tomado por uma sensação nauseante, por uma vertigem incontrolável.
Ela seguiu correndo, nua como Eva, banida do Paraíso. Não percebia o quanto corria e nem como se embrenhava mais e mais no Desconhecido. Não dançava mais ao Som do Mundo, não mais sentia ou ouvia a Sinfonia da Vida e começou a ser envolvida pelo grande Abismo devorador que, inesperadamente, apareceu para os dois.
Abrigou-se entre as árvores de uma pequena floresta com medo de predadores à espreita, da escuridão que crescia dentro de si e das nuvens pesadas que transformavam o dia em noite.
Assim foi naquele dia e no outro e outro mais...
Apesar da sequência dos dias, parecia que o tempo continuava estacionado. Estavam distantes, cada um encolhido em sua estranha inércia. A fome, o frio e o medo crescente eram companheiros fiéis enquanto permaneciam perdidos naquele vão em que se encontravam. A chuva também se fazia presente, encharcando seus corpos e almas. O Abismo espreitava, esperando que o desespero se tornasse insuportável e os fizesse desistir, para então poder devorá-los.
 
O Dragão

Era ainda o terceiro dia quando algo diferente aconteceu:
Dissipando as nuvens, surgiu um lindo Dragão, brilhante como o Sol! Era um daqueles dragões orientais, que voava serpenteando, sem asas. Trazia ele uma grande surpresa: o vestido perdido revoava em suas costas, parecia a capa de um deus!
Ele avistou o dragão com o querido vestido estampado e então, em um esforço hercúleo, conseguiu sair de dentro do Nada, recuperando sua vitalidade e suas memórias recentes do limbo. Soltou um longo assobio, que quebrou o silêncio e chegou ao Dragão, que o avistou, desceu e pousou junto a ele. Então, sem medo, ele deu um longo e forte abraço nessa radiante criatura, como se a conhecesse de tempos ancestrais.
Logo depois, voavam ambos, ele cavalgando o Dragão pelo céu. Flutuaram, subiram e voaram bem alto, procurando pela dona do vestido.
Passaram-se algumas horas até que, pouco antes do entardecer, de seu esconderijo, ela avistou o Dragão, que voava próximo, e seu cavaleiro, que balançava o seu vestido como uma bandeira. Sentiu a esperança brotar novamente dentro do seu ser. Saiu da floresta sem se importar com a sua nudez, caminhou trôpega, caiu de joelhos e chorou agradecida.
Ele a avistou, aproximou se veloz, saltou do Dragão, ergueu-a com cuidado e lhe entregou o vestido.
Enquanto ela se vestia, reparou em sua beleza natural e recordou a magia de cores, sons e sensações que ocorria quando ela e o vestido estavam juntos. As libélulas vermelhas contra o fundo azul brilharam nessa hora e já não estavam apenas na estampa. Foi com lágrimas nos olhos que ela sentiu aquele vibrante inseto místico pousar rapidamente em seu ombro e logo esvoaçar ao seu redor. Recordou de um sonho recorrente em sua infância, um sonho lindo em que vivia em outra terra e ouvia sua vó contar da tradição das libélulas vermelhas que protegiam todas as mulheres de sua família.... mas em que tempo, em que lugar teria sido isso? Ele viu suas lágrimas, sentiu sua emoção, mas não quis perguntar nada. O momento era de silêncio e reverência.  
Eternamente agradecidos, despediram-se do Dragão que havia recuperado o vestido e lhes ajudara a ter novas percepções e aprendizados sobre a Vida, o cada um e o Todo. Logo aquele ser mágico e imaginário levantou voo, deixando rastros de arco-íris pelo céu.
Acompanharam o Dragão com o olhar até ele finalmente desaparecer no azul infinito. Então, pela primeira vez, os dois se olharam, olhos nos olhos, e suas almas se encontraram. Uma explosão muda ocorreu, com a troca de um mundo de sensações. Naquele pequeno momento infinito, as peças se encaixaram, a Esperança triunfou e o Abismo devorador se fechou. Muitas perguntas obtiveram respostas e outras tantas deixaram de importar. Sentiram empatia, acolhimento, desejo e paz.
 
Aka Tombo

Abraçavam-se terna e intensamente, gerando uma onda de energia que trouxe de volta as flores com seu perfume, o canto dos pássaros, o balanço dos galhos ao vento e a suave brisa que misturava os seus cabelos. O Som do Mundo ressoava! A Sinfonia da Vida voltou!
Ela o convidou para dançar e, mesmo sem jeito, ele aceitou.
Naquele momento ele percebeu que o encanto maior só se realizava quando os três estavam juntos. Ela, ele e o vestido! Cada um com a importância de ser parte, mas o todo sendo muito mais significativo do que a soma das partes. A Mágica se realizou em sua plenitude, estavam unidos, mais juntos do que nunca!
Ele a segurou com mais força colando o corpo dela ao seu.
E assim seguiram, com dúvidas, mas cheios de coragem e disposição para caminharem juntos, descobrindo e desbravando novos caminhos, enfrentando medos, sem soltarem as mãos e guiados pelo vestido. 
As libélulas vermelhas voavam no vestido e no céu do entardecer anunciando o final de mais um dia.
 
P.S.: Esse texto foi escrito em Co-autoria com Ástrid Schein Bender 
        Aka Tombo significa Libélula Vermelha em Japonês.

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